Para comemorar esta
efeméride, publicaremos diariamente, até 23 de abril, um poema sobre o livro ou
a leitura. Este é o quinto:
A ilha do tesouro
O meu tesouro é um
livro
de folhas gastas,
dobradas,
onde ainda brilha o
ouro
de palavras
encantadas:
guinéus, luíses,
dobrões.
Se o abro, à noite,
no quarto,
levanta-se um vento
leve
que enfuna os
lençóis da cama;
cheira a sal,
ouvem-se as ondas,
salpicos de espuma
volteiam no ar.
Mas já não voam as
palavras que voavam
e me arrastavam prò
o mar,
o grande mar que é
muitos e só um.
Por mais que escute
já não ouço
a canção dos
marinheiros:
Dez homens em cima
da mala do morto…
Iou, ou, ou, e uma
garrafa de rum…
Antigamente era
outra essa viagem
e era eu o rapaz da
estalagem.
Escondido na
barrica das maçãs,
escutava o
taque-taque
do homem da perna
só
e as conversas dos
piratas
que passavam no
convés:
Com quarenta homens
nos
mas só um, afinal,
se conseguiu
salvar.
Faca de punho
rachado,
bússola, sabre,
telescópio de
latão.
Só o rum é que
podia
derrubar o capitão;
mas agora ele está
morto
e tem duas moedas
de prata
no sítio dos olhos,
um buraco para os
peixes
no lugar do
coração.
O mar também é abismo
e assombro e
perdição.
Com mil diabos!
Icem já a vela
mestra,
seus patifes de uma
figa!
Já chega de beber
rum
e de coçar a
barriga.
Depressa! Está na
hora de arribar!
Mesmo em frente há
uma ilha
que cresceu durante
a noite
do outro lado do
mar.
Tragam o mapa de
Flint,
limpem o pó dos
canhões,
sintam o cheiro do
ouro.
O vento nos levará
para a ilha do
tesouro.
Para a ilha do
tesouro!
As palavras que me
levem
para a ilha do
tesouro
e seja ela onde
for.
Quero os meus
lábios gretados
pelo sal, pelo
calor,
como no tempo em
que era jovem
e andava no mar
e era o tempo
melhor.
Que aconteceu? Quem
sou eu?
Quem lê o livro não
é quem o leu?
Onde está o mapa
do tesouro que me
deste?
Três cruzes a
vermelho,
duas a norte, uma a
sudeste.
Agora abro o livro
e não acontece
nada.
A minha noite é só
medo e frio,
uma terra
ressequida
batida por mar
nenhum.
Por mais que escute
já não ouço
a canção dos
marinheiros:
Dez homens em cima
da mala do morto…
lou, ou, ou, e uma
garrafa de rum.
Álvaro Magalhães, O Limpa-palavras e outros poemas
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