segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Escritor do mês | novembro

Raul Brandão
(1867-1930)


Raul Germano Brandão nasceu a 12 de março de 1867 na Foz do Douro, localidade que marcou de forma indelével a sua vida e obra, pelo mar e pelos seus homens. Era filho de pequenos proprietários.
A infância e a adolescência foram passadas no Porto, onde completou os primeiros estudos, nomeadamente no Colégio São Carlos. 
Seguidamente, frequentou a Academia Politécnica do Porto, entrando então em contacto com outros jovens aspirantes a escritores, entre os quais se contavam os amigos da adolescência, António Nobre e Justino de Montalvão.
Em 1888 ingressou na Escola do Exército, em Lisboa.

Em 1889 esteve na formação do grupo "Os Insubmissos" e da revista com o mesmo nome, que coordenou.

Em 1890 estreou-se como escritor com a coletânea de contos naturalistas "Impressões e Paisagens". Logo em seguida, participou ativamente em vários movimentos de renovação literária. Com Júlio Brandão e D. João de Castro dirigiu a "Revista de Hoje" (1895) e encetou uma notável carreira jornalística no "Correio da Manhã".

Em 1896, depois de concluído o estágio de 10 meses na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, foi colocado em Guimarães, como Alferes no Regimento de Infantaria nº 20. 

Mais tarde, foi transferido para Lisboa. Nesta fase, o jovem escritor dedicou-se a reflexões metafísicas, colaborou na composição do folheto "Nefelibatas" (1893) e aproveitou os escritos no jornal "Correio da Manhã" para publicar, em 1896, o livro "História de um Palhaço – Vida e Diário de K. Maurício", reorganizado em 1926 com o título "A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore".

Em março de 1897 casou com Maria Angelina, com quem viveu um ano em Guimarães. Seguidamente, transferiu-se para o Porto, voltando ao lugar onde nascera, a Foz do Douro.

A escrita continuou a ocupar lugar importante na sua vida. Em parceria com Júlio Brandão escreveu a peça "Noite de Natal", representada no Teatro D. Maria, em 1899.
Em 1901 pediu nova transferência, desta vez para Lisboa. Na capital contactou com intelectuais e anarquistas e empenhou-se na área do Jornalismo.

Nesta fase, a sua existência dividia-se entre a escrita realizada na capital e a que produzia no recolhimento da sua Casa do Alto, em Nespereira, nas proximidades de Guimarães, a qual adquirira em 1903. Nesta habitação, não se dedicava apenas à escrita, mas também à administração da sua propriedade. Este contacto direto com o mundo rural despertou no escritor e no homem sentimentos de comiseração e de pesar relativamente às agruras que marcavam a condição das comunidades agrícolas.
A partir daí, o tema principal da sua obra literária passou a ser o problema de consciência perante os homens oprimidos e a análise de sentimentos contraditórios (a simpatia pelos explorados e o egoísmo de um pequeno burguês), presente pela primeira vez em "Os Pobres", no início do século XX (1902-1903).

Em 1911 pôs fim à carreira militar, reformando-se do exército no posto de Major, em 1912.

Com mais tempo para a escrita, começou a interessar-se pela História de Portugal. Compôs a obra "El-rei Junot", em 1912, e redigiu "A Conspiração de Gomes Freire", em 1914. Publicou "O Cerco do Porto" na revista "Renascença", em 1915, uma obra atribuída ao coronel Hugo Owen e Brandão, que este anotou e prefaciou.

Em 1917 deu à estampa a sua aclamada obra-prima, "Húmus", dedicada ao amigo Columbano, que conheceu no final de Oitocentos e que lhe pintou dois retratos.

A partir desses anos começou a passar os Invernos em Lisboa, cidade onde conviveu com os intelectuais do grupo da revista "Seara Nova" (1921), contando-se entre o grupo de fundadores deste movimento, juntamente com Jaime Cortesão, Raul Proença e Aquilino Ribeiro, entre outros.
Neste período, também se dedicou à dramaturgia. 

Raul Brandão pretendeu tornar públicos quatro livros de trabalho de teatro; no entanto, o projeto ficaria apenas pela publicação de um volume. Planeou, igualmente, escrever "A História Humilde do Povo Português", da qual os "Os Pescadores" constituiria o 1º volume, e ao qual se seguiriam "Os Lavradores", "Os Pastores", "Os Operários". Em 1924 realizou uma viagem aos Açores e à Madeira, que deveria fazer parte desse plano e da qual resultou a edição da obra "As Ilhas Desconhecidas", de 1926, considerada «um dos melhores livros de viagens de todos os tempos na literatura portuguesa».

Em colaboração com a esposa escreveu "Portugal Pequenino", uma narrativa para crianças, editada em 1930.

A morte interrompeu estes projetos. Raul Brandão viria a falecer em Lisboa, no dia 5 de dezembro de 1930, com 63 anos. Em 1931 foi publicado, postumamente, "O Pobre de Pedir".

Raul Brandão seguiu uma carreira militar. Mas foi, sobretudo, um grande jornalista (no "Correio da Manhã", "Revista de Hoje", "Revista de Portugal", chefe de redação dos jornais "O Dia" e "A República") e escritor, autor de uma extensa e diferenciada obra literária (ficção, teatro e livros de viagem), marcada pelas vertentes social, ética e religiosa e entrecruzada pelo patético e pelo trágico. Pertenceu ao grupo dos "Nefelibatas" e à "Geração de 90" do século XIX e foi influenciado não só pelas correntes do Realismo, do Naturalismo, mas também pelo Simbolismo e o pelo Decadentismo. Foi um homem imaginativo e talentoso, mas passivo e isolado, características que, no entender de muitos estudiosos da sua vida e obra, acabaram por fazer dele, muitas vezes, um incompreendido.

Fonte:  U. Porto - Antigos Estudantes Ilustres U. Porto: Raul Brandão

BIBLIOGRAFIA

1890 – Impressões e Paisagens

1896 – História d’um Palhaço (A Vida e o Diário de K. Maurício)

1901 – O Padre

1903 – A Farsa

1906 – Os Pobres

1912 – El-Rei Junot

1914 – A Conspiração de 1817

1915 – O Cerco do Porto – Pelo Coronel Owen (Prefácio e Notas)

1917 – Húmus

1919 – Memórias – vol. I

1923 – Teatro – “O Gebo e a Sombra”, “O Rei Imaginário” e “O Doido e a Morte”

– Os Pescadores

1925 – Memórias – vol. II

1926 – As Ilhas Desconhecidas

– A Morte do Palhaço e O Mistério da Árvore (2ª edição refundida de História d’um Palhaço)

1927 – Eu sou um Homem de Bem (monólogo teatral)

– Jesus Cristo em Lisboa (tragicomédia em colaboração com Teixeira de Pascoaes)

1929 – O Avejão – Episódio Dramático

1930 – Portugal Pequenino (em colaboração com Maria Angelina)

1931 – O Pobre de Pedir (edição póstuma)

1933 – Memórias – vol. III (edição póstuma)

1981 – A Noite de Natal (em colaboração com Júlio Brandão) – Leitura, introdução e notas por José Carlos Seabra Pereira

1984 – Os Operários – Fixação do texto, introdução e notas por Túlio Ramires Ferro

2000 – Húmus (1917; 1921; 1926) – Edição crítica de Maria João Reynaud



A VILA

15 de novembro

A vila petrifica-se, a vila abjeta cria o mesmo bolor. Mora aqui a insignificância e até à insignificância o tempo imprime carácter. (…)

Cabem aqui seres que fazem da vida um hábito e que conseguem olhar o céu com indiferença e a vida sem sobressalto, e esta mixórdia de ridículo e de figuras somíticas. (…)
Cabem aqui dentro as velhas cismáticas, atrás de interesses, de paixões ou de simples ninharias, dissolvendo-se no éter, e logo substituídas por outras velhas, com as mesmas ou outras plumas nos penantes, com os mesmos ou outros ridículos, fedorentas e maníacas; os homens a quem se foram apegando pela vida fora dedadas de mentira, prontos para a cova — e o Gabiru e o seu sonho. Cabe aqui o céu e as lambisgoias com as suas mesuras, a morte e a bisca de três. E cabe aqui também uma velha criada, que se não tira diante dos meus olhos. Obsidia-me. Carrega. Obedece. Serve as outras velhas todas. A Joana é uma velha estúpida.
 Serviu primeiro na vila, serviu depois na cidade. Serviu com uma saia rota, as mãos sujas de lavar a louça, uma camisa, os usos e seis mil réis de soldada. Lavou, esfregou, cheira mal. Serviu o tropel, a miséria, o riso, que caminha para a morte com um vestido de aparato e um chapéu de plumas na cabeça. Para contar fio a fio a sua história bastava dizer como as mãos se lhe foram deformando e criando ranhuras, nodosidades, côdeas, como as mãos se foram parecendo com a casca duma árvore. O frio gretou-lhas, a humidade entranhou-se, a lenha que rachou endureceu-lhas. Sempre a comparei à macieira do quintal: é inocente e útil e não ocupa lugar. A vida gasta-a, corroem-na as lágrimas, e ela está aqui tal qual como quando entrou para casa da D. Hermengarda. Faz rir e faz chorar. Já ninguém estranha — nem ela — que a Joana aguente, e a manhã a encontre de pé, a rachar a lenha, a acender o lume, a aquecer a água. Há seres criados de propósito para os serviços grosseiros. Por dentro a Joana é só ternura, por fora a Joana é denegrida. A mesma fealdade reveste as pedras. Reveste também as árvores.
 É uma velha alta e seca, com o peito raso. O hábito de carregar à cabeça endireitou-a como um espeque, o hábito das caminhadas espalmou-lhe os pés: a recoveira assenta sobre bases sólidas. Parece um homem com as orelhas despegadas do crânio e olhos inocentes de bicho. É destas criaturas que dão aos outros em troca da soldada o melhor do seu ser, que se apegam aos filhos alheios e choram sobre todas as desgraças. Ainda por cima dedicam-se, e quando as mandam embora, porque não têm serventia, põem-se a chorar nas escadas.

* * *
 Húmus, cap. 1



O Leituras sugere...





...para novembro


Pedro Alecrim
 António Mota


Este livro narra a vida de Pedro Alecrim que reparte os seus dias entre a escola, as brincadeiras com os amigos e o trabalho no campo para ajudar a família. Pedro gosta de andar na escola, embora se interrogue sobre a utilidade de algumas matérias e nem sempre aprecie o feitio de alguns professores. Os dias vão passando, com sonhos, alegrias e tristezas. O autor leva-nos à aldeia do menino cujo nome nos lembra o cheiro do campo, dando-nos a conhecer as suas rotinas e as dificuldades de quem tem de trabalhar no duro após as aulas e só à noite consegue fazer os deveres. A morte do pai alterará tudo e Pedro passa de jovem a homem.

Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças 1990.

Plano Nacional de Leitura

Livro recomendado para o 6º ano de escolaridade, destinado a leitura orientada.

Um poema...

DE RAMO EM RAMO 

Não queiras transformar 
em nostalgia 
o que foi exaltação, 
em lixo o que foi cristal. 
A velhice, 
o primeiro sinal 
de doença da alma, 
às vezes contamina o corpo. 
Nenhum pássaro 
permite à morte dominar 
o azul do seu canto. 
Faz como eles: dança de ramo 
em ramo. 

Eugénio de Andrade, Ofício de Paciência