quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

NATAL...a contar!

Este é o terceiro conto que publicamos, alusivo a esta festividade.


O Cesto de Natal da tia Cyrilla 

Mais uma vez, o verdadeiro espírito de Natal é representado neste conto do autor canadiano de Ana dos Bicos Verdes (Anne of Green Gables), como qualquer coisa de simples e familiar. Publicado pela primeira vez em 1903, na revista Young People, este conto é sobre Lucy Rose, a menina arrogante do campo que queria ser elegante e sofisticada. Fica desconcertada com o «provincianismo» da tia Cyrilla e tem vergonha do cesto cheio de iguarias caseiras, que a tia carrega quando vai visitar os familiares. Quando o comboio ficou bloqueado na neve, até mesmo, nos feridos e nos desesperados que havia no meio dos passageiros, despontou uma nova esperança e alento, provocados pela amabilidade de um estranho.


 Quando Lucy Rose encontrou a tia Cyrilla a descer as escadas, algo ofegante e ruborizada pela ida ao sótão, com um cesto enorme, com tampa, enfiado no braço roliço, soltou um pequeno suspiro de desespero. Há alguns anos que Lucy Rose fazia o melhor que podia – de facto, desde que tinha prendido o cabelo e aumentado ao comprimento das saias – para que a tia Cyrilla perdesse o hábito que tinha de levar aquele cesto com ela, sempre que ia a Pembroke; mas a tia Cyrilla insistia em levá-lo e só se ria do que ela apelidava de «ideias afectadas» de Lucy Rose. Lucy Rose achava horrível e extremamente provinciano a tia carregar sempre o cesto consigo, cheio de coisas boas do campo, de cada vez que ia visitar Edward e Geraldine. Geraldine era tão elegante que talvez achasse aquilo estranho; e depois, a tia Cyrilla levava-o sempre no braço, e dava biscoitos, maçãs e chupa-chupas de melaço a todas as crianças que encontrava e, de vez em quando, também a pessoas de idade. Quando Lucy Rose ia à cidade com a tia Cyrilla, sentia-se desgostosa com isto – mas Lucy era ainda muito nova e tinha muita coisa a aprender neste mundo. 
Aquela preocupação incómoda sobre o que Geraldine pensaria, encorajou-a a protestar naquele instante. 
– Ora, tia Cyrilla – apelou – de certeza que, desta vez, não vai levar aquele cesto velho e esquisito consigo para Pembroke, é Dia de Natal e tudo! 
– Claro, claro que vou – respondeu a tia Cyrilla, enquanto o punha em cima da mesa e começava a limpá-lo. – Nunca fui visitar o Edward e a Geraldine, desde que estão casados, sem levar o cesto das coisas boas comigo e não vai ser agora que vou deixar de o fazer. Se é Natal, mais uma razão. O Edward fica sempre muito contente por ter algumas das coisas antigas da casa da quinta. Diz que são muito superiores às cozinhadas na cidade, e são mesmo. 
– Mas é tão provinciano – lamentou-se Lucy Rose. 
– Bem, eu sou da província – disse a tia Cyrilla, firmemente – e tu também. E depois, não vejo motivo para sentirmos vergonha disso. Tens um amor-próprio excessivo, Lucy Rose. Com o tempo há-de passar-te, mas neste momento está a causar-te muitos problemas. 
– O cesto é um problema – disse Lucy Rose, zangada. – A tia está sempre a esquecer-se dele, ou com medo de se esquecer. E parece tão estranho andar pelas ruas com esse cesto grande e bojudo no braço. 
– Não estou nada preocupada com as aparências – respondeu a tia Cyrilla, calmamente. – Quanto a ser um problema, ora, talvez seja, mas é um hábito meu e outras pessoas apreciam. O Edward e a Geraldine não precisam disto – eu sei – mas pode haver quem precise. E se caminhares ao lado de uma mulher velha e provinciana, com um cesto, fere os teus sentimentos, ora, podes ficar para trás como dantes. 
A tia Cyrilla meneou a cabeça e sorriu bem-humorada, e Lucy Rose, embora mantivesse a sua opinião pessoal, também teve de sorrir. 
– Agora, deixa-me ver – disse a tia Cyrilla, reflectindo e batendo com a ponta do dedo indicador em cima da mesa da cozinha branca como a neve – o que levo? Para já, aquele bolo grande de frutas – o Edward gosta do meu bolo de frutas; e aquela língua cozida fria. Aquelas três tortas de carne picada, também, se não estragam-se antes de voltarmos, ou, então, o teu tio fica doente ao comê-las – torta de carne picada é o seu pecado mortal. E aquele frasco de barro cheio de natas – a Geraldine pode ter muita classe, mas ainda tenho de a ver desprezar umas natas do campo, Lucy Rose. E outro frasco do meu vinagre de framboesa. Aquele prato de biscoitos de geleia e dónutes vão agradar às crianças e encher os pequenos espaços vazios, e podes trazer-me aquela caixa de caramelos que está na despensa e aquele saco de barras de bombons às riscas que o teu tio me trouxe, ontem à noite, ali da esquina. E maçãs, claro – três ou quatro dúzias daquelas boas – e um frasquinho da minha compota de ameixa rainha-cláudia – o Edward vai gostar. E algumas sanduíches e bolo inglês para um lanche para nós. Agora, acho que de mantimentos já chega. Os presentes para as crianças podem ir por cima. Tenho uma boneca para a Daisy, um barquinho que o teu tio fez para o Ray, um lenço de mão em renda de bilros para cada um dos gémeos e a touca de crochet para o bebé. Agora está tudo? 
– Há uma galinha assada fria na despensa – disse Lucy Rose com mal dade – e o porco, que o tio Leo matou, está dependurado no alpendre. Também quer metê-los aí dentro?
A tia Cyrilla exibiu um sorriso amplo. 
– Bem, acho que deixamos o porco em paz; mas uma vez que me lembraste, a galinha também pode ir. Arranjo espaço. 
Apesar dos preconceitos, Lucy Rose ajudou a embalar e, mesmo não tendo sido supervisionada pelo olho da tia Cyrilla, fez tudo muito bem, com muita inteligência e economia de espaço. Mas depois de a tia Cyrilla ter colocado, como toque de acabamento, um ramo de perpétuas cor-de-rosa e brancas e fechado as tampas bojudas com mão firme, Lucy Rose ficou junto do cesto e murmurou vingativamente: 
– Um dia, vou queimar este cesto – quando tiver coragem suficiente. Então, será o fim e deixará de o levar consigo para todo o lado, como uma velha vendedora da praça. 
O tio Leopold entrou naquele preciso momento, meneando a cabeça com ar de dúvida. Não iria passar o Natal com Edward e Geraldine, e talvez a perspectiva de cozinhar e de comer o seu jantar de Natal sozinho o deixasse pessimista. 
– Desconfio, que vocês não vão conseguir chegar a Pembroke amanhã – disse com sabedoria. – Vem aí uma tempestade. 
A tia Cyrilla não se preocupou com isso. Acreditava que assuntos deste tipo estavam predeterminados, e dormiu tranquilamente. Mas Lucy Rose levantou-se três vezes durante a noite para ver se havia temporal e, quando adormeceu, teve pesadelos horríveis com lutas no meio de tempestades de neve ofuscante que arrastavam para longe o cesto da tia Cyrilla.
De manhã cedo, não estava a nevar e o tio Leopold levou a tia Cyrilla, Lucy Rose e o cesto até à estação, que ficava a quatro quilómetros de distância. Quando chegaram lá, o ar estava carregado de flocos flutuantes. O chefe da estação vendeu os bilhetes com um ar mal-disposto. 
– Se vier mais neve, os comboios talvez atrapalhem o Natal – disse. – Tem nevado tanto que o tráfico já está a ficar bloqueado, e é difícil retirar a neve para restabelecer a circulação. 
A tia Cyrilla disse que, se estivesse previsto que o comboio chegasse a tempo do Natal a Pembroke, chegaria; abriu o cesto e deu ao chefe da estação e a três rapazinhos uma maçã a cada um. 
– Isto é só o começo – suspirou fundo Lucy Rose. 
Quando o comboio delas chegou, a tia Cyrilla instalou-se num banco, colocou o cesto no outro e olhou sorridente à sua volta para os companheiros de viagem. 
Havia poucos – uma mulher delicada ao fundo da carruagem, com um bebé e mais quatro crianças, uma jovem no meio do corredor com um rosto pálido e bonito, um rapaz, três bancos à frente, vestido com um uniforme caqui, uma senhora muito elegante com um casaco de pele de foca, na frente dele, e um homem jovem, magro e de óculos, do lado oposto. 
– Um sacerdote – reflectiu a tia Cyrilla, começando a classificar – que cuida melhor da alma dos outros do que do seu próprio corpo; e aquela mulher de casaco de pele de foca está triste e zangada com alguma coisa – talvez se tenha levantado demasiado cedo para apanhar o comboio; e aquele jovem companheiro deve ser um dos que saíram há pouco tempo do hospital. Os filhos daquela mulher é como se não tivessem comido uma refeição decente desde que nasceram; e se aquela rapariga do outro lado tem mãe, gostaria de saber o que significa deixar a filha sair de casa, com este tempo, com uma roupa daquelas. 
Lucy Rose apenas se perguntava desconfortavelmente o que pensariam os outros do cesto da tia Cyrilla. 
Contavam chegar a Pembroke naquela noite, mas à medida que o dia passava, a tempestade cada vez se tornava mais violenta. O comboio parou duas vezes para que os ajudantes retirassem a neve.
À terceira vez não conseguiu continuar. Estava escuro quando o condutor deu uma volta pelo comboio, respondendo bruscamente às perguntas dos passageiros ansiosos. 
– Uma boa vigia para o Natal – não, é impossível continuar ou voltar – o caminho está bloqueado durante milhas – o que é isso minha senhora? – não, não existe nenhuma estação perto – só existem milhas de bosque. Ficamos aqui esta noite. Estas últimas tempestades têm causado muitos prejuízos em tudo. 
– Oh, meu Deus – suspirou Lucy Rose. 
A tia Cyrilla olhou para o cesto com satisfação. 
– De qualquer forma, não morreremos de fome – disse. 
A rapariga bonita e pálida parecia indiferente. A senhora com o casaco de pele de foca parecia mais zangada do que nunca. O rapaz de caqui disse «só a minha sorte» e duas das crianças começaram a chorar. A tia Cyrilla tirou do cesto algumas maçãs e barras de caramelos às riscas, e deu-lhos. Pôs o mais velho no seu colo amplo, e rapidamente os tinha todos à sua volta, rindo satisfeitos. 
Os passageiros restantes afastaram-se para um canto e começaram a falar casualmente. O rapaz de caqui disse que, afinal de contas, era pouca sorte não chegar a casa para o Natal. 
– Fui, há três meses, afastado do serviço militar na África do Sul por invalidez, e desde então, tenho estado no hospital. Cheguei a Halifax há três dias e telegrafei aos meus velhos amigos a dizer que jantaria com eles no dia de Natal e que tivessem um perú de tamanho extra, porque não comi nenhum o ano passado. Vão ficar extremamente desapontados. 
O rapaz também parecia desapontado. Uma das mangas do uniforme caqui estava vazia. A tia Cyrilla passou-lhe uma maçã. 
– Nós íamos todos passar o Natal a casa do avô – disse, com tristeza, o filho mais velho da jovem mãe. – Nunca lá estivemos antes. É terrível! 
Parecia que queria chorar, mas pensou melhor no assunto e encheu a boca com mais uma dentada de rebuçado. 
– Será que vai haver Pai Natal no comboio? – perguntou a irmã pequena a chorar. – O Jack diz que não. 
– Tenho a certeza de que o Pai Natal vai descobrir-te – disse a tia Cyrilla de uma forma tranquilizadora. 
A jovem bonita e pálida aproximou-se e tirou o bebé à mãe cansada. 
– Que coisinha fofa – disse com meiguice. 
– Também vais a casa passar o Natal? – perguntou a tia Cyrilla. 
A rapariga meneou a cabeça. 
– Não tenho casa. Neste momento, não passo de uma empregada de balcão sem trabalho, e vou até Pembroke para procurar um. 
A tia Cyrilla dirigiu-se ao cesto e tirou a caixa de caramelos de nata. 
– Penso que também devemos divertir-nos. Vamos comer tudo e passar o tempo da melhor maneira possível. Talvez cheguemos a Pembroke de manhã. 
O pequeno grupo começou a ficar cada vez mais animado à medida que petiscavam, e até a rapariga pálida ficou mais alegre. A jovem mãe contou a sua história à tia Cyrilla. Tinha sido afastada da família há muito tempo, porque não estavam de acordo com o seu casamento. O marido tinha morrido no Verão passado e deixou-a em circunstâncias muito precárias. 
– O meu pai escreveu-me a semana passada e pediu-me para esquecer o passado e vir a casa passar o Natal. Fiquei tão contente. E as crianças não pensavam em outra coisa. É horrível não conseguir lá chegar. Tenho de voltar para o emprego na manhã a seguir ao Natal. 
O rapaz de caqui aproximou-se de novo e partilhou do caramelo. Contou histórias divertidas sobre as operações militares na África do Sul. O sacerdote também se aproximou e ficou a ouvir, e até a senhora do casaco de pele de foca olhou para trás. 
Mais tarde, as crianças adormeceram, uma no colo da tia Cyrilla, outra no de Lucy Rose e duas no banco do comboio. A tia Cyrilla e a rapariga pálida ajudaram a mãe a fazer camas para eles. O sacerdote cedeu o sobretudo e a senhora do casaco de pele de foca aproximou-se com um xaile. 
– Isto serve para o bebé – disse. 
– Temos de arranjar um Pai Natal para estes jovens – disse o rapaz de caqui. – Vamos pendurar as meias deles na parede e enchê-las o melhor que pudermos. Não tenho mais nada, a não ser umas moedas e um canivete. 
– Eu também só tenho dinheiro – disse a senhora do casaco de pele de foca. A tia Cyrilla olhou para a jovem mãe. Tinha adormecido com a cabeça encostada às costas do banco. 
– Tenho ali um cesto – disse a tia Cyrilla com firmeza – e tenho lá alguns presentes que estavam destinados aos filhos do meu sobrinho. Vou dá-los a estas crianças. Quanto ao dinheiro, penso que a mãe está a precisar. Contou-me a sua história e é digna de pena. Vamos fazer uma colecta entre nós para um presente de Natal. 
A ideia foi bem acolhida. O rapaz de caqui passou o boné e todos contribuíram. A senhora de casaco de pele de foca colocou lá uma nota amarrotada. Quando a tia Cyrilla a endireitou, viu que se tratava de uma nota de vinte dólares. 
Entretanto, Lucy Rose tinha trazido o cesto. Sorriu para a tia Cyrilla, enquanto o arrastava até ao corredor, e a tia Cyrilla devolveu-lhe o sorriso. Lucy Rose nunca tinha tocado naquele cesto por iniciativa própria. 
O barco de Ray foi para Jack, a boneca de Daisy para a irmã mais velha, os lenços de mão de renda dos gémeos para as duas meninas mais pequenas e o gorro para o bebé. Depois, as meias foram enchidas com dónutes e biscoitos de geleia, e o dinheiro foi colocado dentro de um envelope e preso com um alfinete ao casaco da jovem mãe. 
– Aquele bebé é tão fofinho – disse a senhora do casaco de pele de foca. Faz-me lembrar o meu filhinho. Morreu há dezoito natais. 
A tia Cyrilla pôs a mão em cima da luva de pelica da senhora. – O meu também – disse. 
E depois, as duas mulheres sorriram com ternura uma para a outra. Mais tarde, descansaram um pouco das tarefas e todos comeram o que a tia Cyrilla chama um «lanche» de sanduíches e bolo inglês. O rapaz de caqui disse que nunca tinha provado nada nem de longe tão bom, desde que saíra de casa. 
– Na África do Sul não nos davam bolo inglês – disse. 
Quando amanheceu, a tempestade ainda era intensa. As crianças acordaram e ficaram loucas de alegria com as meias. A jovem mãe encontrou o envelope e tentou exprimir um agradecimento, mas não conseguiu; e ninguém sabia o que dizer, nem o que fazer, quando, felizmente, o condutor veio fazer uma digressão para lhes dizer que talvez tivessem de se conformar com a ideia de passar o Natal no comboio. 
– Isto é grave – disse o rapaz de caqui – considerando que não temos provisões. Por mim não há problema, estou habituado a rações de combate, ou até a nenhuma. Mas estas crianças vão ter um apetite enorme. 
Então, a Tia Cyrilla mostrou-se à altura para a ocasião. 
– Tenho aqui algumas rações de emergência – anunciou. – Há comida suficiente para todos e vamos ter o nosso jantar de Natal, embora frio. Primeiro, o pequeno-almoço. Há uma sanduíche para cada um e só temos de completar com o que sobrou de biscoitos e dónutes, e guardar o resto para uma refeição verdadeiramente boa ao jantar. A única coisa que não tenho é pão. 
– Tenho uma caixa de bolachas de água e sal – disse a jovem mãe, ansiosa. 
Ninguém na carruagem iria esquecer aquele Natal. Para começar, depois do pequeno-almoço, tiveram um concerto. O rapaz de caqui deu dois recitais, cantou três canções e fez um solo de assobio. Lucy Rose deu dois recitais e o sacerdote fez uma leitura de histórias cómicas. A pálida empregada de balcão cantou duas canções. Todos concordaram que o solo de assobio do rapaz de caqui tinha sido o melhor número, e a tia Cyrilla deu-lhe um ramo de perpétuas como prémio de mérito. 
Depois, o maquinista veio com notícias mais animadoras, dizendo que a tempestade estava quase a passar e que pensava que o caminho ficaria livre dentro de algumas horas. 
– Se conseguirmos chegar até à próxima estação, ficaremos todos bem – disse. – O ramal une-se ali à linha principal e os trilhos estarão limpos. 
À tardinha, jantaram. Os ajudantes do comboio foram convidados a participar. O sacerdote trinchou a galinha com o canivete do homem do vagão do travão e o rapaz de caqui cortou a língua e as tortas, enquanto a senhora do casaco de pele de foca misturava o vinagre de framboesa com a devida proporção de água. Pedaços de papel serviram de pratos. O comboio forneceu dois copos, e foi encontrada uma lata de meio litro de água e dada às crianças. 
Todos declararam que nunca tinham desfrutado tanto de uma refeição em toda a sua vida. Foi, de facto, uma refeição muito divertida, e os cozinhados da tia Cyrilla nunca foram tão apreciados; de facto, só sobraram os ossos da galinha e os frascos das compotas. Não puderam comer as compotas, porque não tinham colheres, por isso, a tia Cyrilla deu-as à jovem mãe. 
Quando tudo terminou, foi feito um voto sincero de agradecimento à tia Cyrilla e ao seu cesto. A senhora do casaco de pele de foca quis saber como é que ela fazia o bolo inglês e o rapaz de caqui pediu-lhe a receita dos biscoitos de geleia. E quando, duas horas mais tarde, o maquinista veio anunciar que o limpa-neve tinha chegado e que, em breve, retomariam o caminho, todos se 
interrogaram se só teriam passado menos de vinte e quatro horas desde que se conheceram. 
– Sinto que estive com a senhora no campo de batalha toda a minha vida – disse o rapaz de caqui. 
Saíram todos na primeira estação. A jovem mãe e os filhos tiveram de apanhar o comboio seguinte de volta para casa. O sacerdote ficou ali, o rapaz de caqui e a senhora do casaco de pele de foca mudaram de comboio. A senhora do casaco de pele de foca deu um cumprimento de mão à tia Cyrilla. Não voltara a mostrar-se triste nem zangada. 
– Foi o Natal mais agradável que alguma vez passei – disse com convicção. – Nunca irei esquecer-me desse seu cesto maravilhoso. A empregadinha de balcão vai para minha casa. Prometi-lhe um lugar na loja do meu marido. 
Quando a tia Cyrilla e Lucy Rose chegaram a Pembroke, não havia ninguém à espera delas, pois todos haviam desistido. A casa de Edward não era muito longe da estação e a tia Cyrilla decidiu ir a pé. 
– Eu levo o cesto – disse Lucy Rose. 
A tia Cyrilla acedeu com um sorriso. Lucy Rose sorriu também. 
– É um velho cesto abençoado – disse a última – e adoro-o. Por favor, esqueça todas as patetices que sempre disse sobre ele, tia Cyrilla. 

L. M. Montgomery 
Ian Whybrow (org.) 
O grande livro do Natal 
Porto, Edições Asa, 2004 
Adaptação



sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

NATAL...a contar!



Publicamos o segundo conto alusivo a esta festividade.

O Espírito do Natal


Estava o Senhor Teotónio, que era rico, muito gordo e grande fumador de charutos, a carregar o carro com os presentes que passara a manhã a comprar para os filhos, para os sobrinhos e para as muitas pessoas com quem fazia negócios, quando se aproximou dele um homem pobre, idoso e magro, que prontamente obteve dele esta resposta:
— Comigo não perca tempo porque não tenho dinheiro trocado, nem alimento falsos mendigos.
— Mas eu não lhe pedi nada — respondeu o homem idoso serenamente, com um sorriso que desarmou o Senhor Teotónio e a sua bazófia de novorico.
— Então se não me quer pedir nada, por que motivo está tão perto de mim enquanto eu carrego o meu carro? — perguntou o Senhor Teotónio entre duas baforadas de charuto que fizeram o homem idoso e magro tossir convulsivamente.
— Estou aqui, meu caro senhor — respondeu ele, já refeito da tosse — para tentar perceber o que as pessoas dão umas às outras no Natal.
— Com que então — concluiu ironicamente o Senhor Teotónio, grande construtor civil com interesses de norte a sul do País — temos aqui um observador! Deve ser, certamente, de uma dessas organizações internacionais que nós pagamos com o nosso dinheiro e que não sabemos bem para que servem.
— Está muito enganado. Mas já agora responda à minha pergunta: o que é que as pessoas dão umas às outras no Natal? — insistiu o homem pobre, idoso e magro.
— Bem, se quer mesmo saber, eu digolhe. Quem tem posses como eu pode comprar uma loja inteira, deixando toda a gente feliz, a começar nos comerciantes e a acabar nas pessoas que vão receber os presentes. Quem é pobre como você fica a assistir. Percebeu a diferença?
O homem magro e idoso reflectiu uns instantes sobre a resposta seca e sarcástica do Senhor Teotónio e depois respondeulhe com uma nova pergunta:
— Então e o espírito do Natal?
— O que vem a ser isso do espírito do Natal? — quis saber, cheio de curiosidade, o Senhor Teotónio.
— O espírito do Natal — respondeu o homem idoso e magro — é aquilo que nos vai na alma nesta altura do ano e que está muito para além dos presentes que damos. Para muitas pessoas, o melhor presente pode ser um telefonema, uma carícia ou um telefonema quando se está só.
— Era só o que me faltava — desabafou, enfastiado, o Senhor Teotónio, enquanto arrumava os últimos presentes na mala do automóvel — ter agora um filósofo, ainda por cima vagabundo, para aqui a debitar sentenças.
O homem magro e idoso afastouse do carro, mostrando que não queria esmolas nem qualquer outra coisa que lhe pudesse ser dada pelo Senhor Teotónio, e encaminhouse para um grupo de crianças que o esperavam.
Quando o Senhor Teotónio passou por eles no carro,ouviu uma voz de criança a dizer:
— Vamos, Espírito do Natal, porque hoje ainda temos muito que fazer.
Dizendo isto, o grupo ergueuse no ar a esvoaçar com destino incerto, largando um pó luminoso enquanto ganhava altura no céu cinzento de Dezembro.


José Jorge Letria
A Árvore das Histórias de Natal
Porto, Ambar, 2006








quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Um natal sem erros de ortografia

Em plena época natalícia, é comum o uso de palavras como Pai Natal, bolo-rei e filhó.
Às vezes surgem dúvidas sobre a formação do seu plural.

O plural de Pai Natal é pais natais. Devemos ainda distinguir entre Pai Natal com maiúscula, quando se refere à «figura representada por um velho de barbas brancas, vestido de vermelho, com origem na lenda de S. Nicolau», e pai natal com minúsculas, quando se trata da «pessoa vestida de Pai Natal» — em qualquer dos casos, sem hífen.


Também o plural de bolo-rei é bolos-reis. Vão geralmente para o plural ambos os elementos de uma palavra composta de dois substantivos.


No caso da filhó, o erro é ainda mais frequente. É muito comum a utilização de filhós no singular («uma filhós»), que no plural se transforma em filhoses. Há já mesmo dicionários que registam estas duas formas. Contudo, o mais correto deverá ser filhó (singular) e filhós (plural).


Bom Natal!


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Um sábado por mês...era uma vez


15h | Hora de conto seguida de uma atividade de expressão plástica

A Biblioteca estará aberta no seu horário habitual: das 9h - 12h30 e das 13h30 - 18h.

XIV Aniversário da Biblioteca | XVIII Aniversário da Fundação A LORD

A Biblioteca e a Fundação A LORD celebraram mais um aniversário com uma sessão comemorativa realizada no passado dia 6 de dezembro, no Auditório da Fundação.

No momento inicial, o Presidente da Fundação A LORD saudou os presentes e procedeu à entrega de certificados atribuídos no âmbito da Formação Profissional, aos participantes dos cursos de:
  • Design de Jóias
  • Informática - Internet
  • Informática na Ótica do Utilizador
  • Noções básicas de Informática



Seguiu-se a atuação do jovem grupo de atores LORDator, com a peça A verdadeira história da Batalha de S. Mamede de Inácio Pignatelli. A boa prestação dos intervenientes mereceu os aplausos da assistência.



A terminar, o público presente foi convidado a cantar os parabéns às aniversariantes e a saborear o bolo festivo.
Para assinalar a data, todos receberam uma lembrança.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

NATAL...a contar!


Até ao Natal, vamos publicar, três contos alusivos a esta festividade.
BOAS FESTAS! 

O desejo de Lucy


Todos os dias, Lucy costumava observar as folhas a caírem das árvores do jardim e, todos os dias, perguntava à mãe, à irmã ou ao pai que dia era, na esperança de que fosse
Dia de Natal. Um dia, fez a mesma pergunta no supermercado, enquanto a mãe empurrava o carrinho de compras.
— Hoje é o dia 23 de Outubro — disse a mãe — mas já vamos fazer o bolo de Natal.
Lucy sorriu. Adorava os preparativos do Natal.
Uma vez em casa, ajudou a mãe a preparar tudo aquilo de que necessitava para fazer o bolo. Além da farinha, dos ovos, do açúcar e da margarina, havia uma série de pacotes que tinham trazido do supermercado, cheios de uvas passas, sultanas, cerejas, amêndoas descascadas e com casca. Lucy colocou alguns frutos na taça e mexeu tudo muito bem, até formar uma massa de cor bege, cheia de grumos. Enquanto mexia, tinha de formular um desejo.
— O que pediste? — perguntou-lhe a mãe.
— É segredo — respondeu Lucy. — Se contarmos, o desejo não se realiza.
Depois de fazerem o bolo, passaram-se vários dias durante os quais nada se disse sobre o Natal. Lá fora, no jardim, as árvores estavam já despidas de folhas.
— Que dia é hoje? — perguntou Lucy.
— 30 de Novembro — respondeu a irmã, Frances, que tinha oito anos. — Penso que 
devíamos começar os preparativos para o Natal.
— Está bem — concordou Lucy.
Sentaram-se, então, na cozinha, com um frasco de cola e folhas de papel colorido, e fizeram serpentinas de papel para decorar as paredes. Ficaram sentadas durante toda a tarde, na mesa grande junto à janela. As casas lá fora foram escurecendo, até se parecerem com recortes de papel preto num céu que se tornava ora rosáceo, ora violeta, ora azul, à medida que o sol se punha.
— Olha! — exclamou Frances. — Apareceu a primeira estrela. Pede um desejo, depressa!
Lucy fechou os olhos e formulou um desejo.
— O que pediste? — perguntou Frances.
— É segredo — respondeu Lucy. — Se contarmos, o desejo não se realiza.
Depois de terem feito as decorações, tornou-se mais fácil contar os dias que faltavam
até ao Natal. Lucy e Frances tinham, cada uma, um calendário do Advento, e todos os dias
abriam uma portinha e olhavam para o desenho que estava no interior. No dia 19 de
Dezembro, o pai de Lucy disse:
— Já são horas de irmos buscar a árvore de Natal à garagem e as coisas que estão no
sótão para a decorarmos.
Lucy, Frances e o pai foram ao sótão buscar as caixas cheias do que Lucy chamava ”As
Três Jóias”. Trouxeram-nas para baixo e penduraram nos ramos bolas esguias e brilhantes,
em tons de prata, púrpura e azul. Colocaram fita dourada em volta da árvore, ataram
grandes laços vermelhos aos ramos, e penduraram estrelas e luas em papel prateado nas
agulhas do pinheiro.
— Lucy — disse o pai — eu seguro em ti enquanto colocas a Rainha das Fadas no topo.
Não te esqueças de pedir um desejo.
Lucy fechou os olhos e formulou o desejo.
— O que é que pediste? — perguntou o pai.
— É segredo — respondeu Lucy. — Se o contarmos, não se realiza.
Na Noite de Natal, Lucy não conseguia adormecer.
— Por que não consegues dormir? — perguntou Frances.
— Estou triste — respondeu Lucy.
— Como é que podes estar triste na Noite de Natal?
— Estou triste porque o meu desejo não se realizou. Mesmo tendo-o pedido três vezes.
— O que pediste? — perguntou Frances.
— Uma patetice de que não quero falar — disse Lucy, enfiando a cara na almofada.
— Bom, dorme agora — disse Frances. — Amanhã é Dia de Natal e vais ficar contente.
Lucy pensou no seu desejo. Talvez tivesse realmente sido uma patetice ter pedido que o jardim, que estava cheio de folhas caídas, árvores despidas e terra escura, ficasse bonito outra vez. Lucy sabia que as folhas e as flores renasciam na Primavera, mas parecia-lhe
injusto que, quando tudo dentro das casas estava bonito e brilhante, o jardim se encontrasse tão cinzento e despido.
— Vou tentar de novo. Só mais uma vez.
Fechou os olhos e formulou um desejo. Depois adormeceu.
Na manhã seguinte, Frances foi a primeira a acordar.
— Lucy — sussurrou. — Acorda! Vamos ver o que temos nas meias.
Lucy acordou e foram ambas comer as sultanas, as nozes, e as uvas passas que alguém
pusera nas suas meias de Natal durante a noite.
— O sol está muito forte. Até podemos vê-lo com as cortinas fechadas. Que claridade!
— Vamos abri-las. Puxa aquela, que eu puxo esta — sugeriu Lucy.
As cortinas abriram-se.
— Olha! — sussurrou Lucy. — Oh, Frances, o meu desejo realizou-se durante a noite.
O jardim brilhava à luz do sol. A neve cobria totalmente cada ramo e cada pedacinho de erva, cada telhado e cada parapeito. Também cobria a terra preta e as sebes verdes. A janela do quarto das duas irmãs tinha gelo em redor de cada painel de vidro, como se fosseuma moldura de flores brancas.
 — Que lindo! — exclamou Lucy. — Nunca pensei que fosse tão bonito.
— Foi este o teu desejo? — perguntou Frances. — Pediste neve?
— Não sabia que tinha pedido, mas devo tê-lo feito.
— O que fizeste exactamente?
— Fechei os olhos e disse: “Desejo que o jardim fique decorado no Natal.”
— E está — anuiu Frances. — Vamos chamar os nossos pais.
Correram para o quarto dos pais.
— Acordem! — chamou Lucy. — É Dia de Natal e o meu desejo realizou-se!


Adèle Geras
Sally Grindley (org.)
Christmas stories
London, Kingfisher, 1994
(Tradução e adaptação)




quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Escritor do mês | dezembro


O Leituras sugere...







...para dezembro


A Noite de Natal
 Sophia de Mello Breyner Andresen


A consoada em casa de Joana é cheia de abundância e alegria. Contudo, a menina lembra-se do seu amigo Manuel, que nem vai ter presentes nem uma mesa farta nessa noite tão especial. Decide, por isso, ir ter com ele e dar-lhe o que recebeu. Guiada por uma estrela, Joana descobre, nessa noite, o verdadeiro Natal. 

Joana tinha nove anos e já tinha visto nove vezes a árvore do Natal. Mas era sempre como se fosse a primeira vez. Da árvore nascia um brilhar maravilhoso que pousava sobre todas as coisas. Era como se o brilho de uma estrela se tivesse aproximado da Terra. Era o Natal. E por isso uma árvore se cobria de luzes e os seus ramos se carregavam de extraordinários frutos em memória da alegria que, numa noite muito antiga, se tinha espalhado sobre a Terra. (...)

E Joana foi à cozinha. Era a altura boa para falar com a Gertrudes.
— Bom Natal, Gertrudes — disse Joana.
— Bom Natal — respondeu a Gertrudes. Joana calou-se um momento. Depois perguntou:
— Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade?
— O que é que eu disse?
— Disseste que o Manuel não ia ter presentes de Natal porque os pobres não têm presentes.
— Está claro que é verdade. Eu não digo fantasias: não teve presentes, nem árvore do
Natal, nem peru recheado, nem rabanadas. Os pobres são os pobres. Têm a pobreza.(...)
— Amanhã vou-lhe dar os meus presentes — disse ela. Depois suspirou e pensou:
«Amanhã não é a mesma coisa. Hoje é que é a Noite de Natal.»
Foi à janela, abriu as portadas e através dos vidros espreitou a rua. Ninguém passava. O Manuel estava a dormir. Só viria na manhã seguinte. Ao longe via-se uma grande sombra escura: era o pinhal.
Então ouviu, vindas da Torre da Igreja, fortes e claras, as doze pancadas da meia-noite.
«Hoje», pensou Joana, «tenho de ir hoje. Tenho de ir lá agora, esta noite. Para que ele tenha presentes na Noite de Natal.»

Sophia de Mello Breyner Andresen
A Noite de Natal
Adaptado

Começa já a festejar o Natal, lendo este conto onde se celebra o verdadeiro espírito natalício.



Livro recomendado para o 3.°, 4.°, 5.° e 6.° anos, para apoio a projetos Natal.
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