segunda-feira, 27 de julho de 2020

26 julho | Dia dos Avós



Neste dia, felicitamos todos os avós e oferecemos esta prendinha deliciosa – um conto de Claire Laurens.



A avó que salvou um reino inteiro


Era uma vez um senhor que tinha medo de envelhecer. Muitas vezes, observava a sua imagem no metal do seu sabre. E, mal via um cabelo branco, arrancava-o furiosamente:

— Enquanto fôr jovem e forte, todos me respeitarão. Mas, quando fôr velho, já ninguém me obedecerá!
Num inverno, uma terrível fome abateu-se sobre o país.
As reservas de arroz não chegavam para alimentar o reino.
— Que não seja por isso! Desembaraçamo-nos das bocas inúteis — declarou o senhor. —Os velhos já não servem para cultivar arroz. Para quê alimentá-los? Ordeno que, a partir de hoje, sejam abandonados na montanha.  Que tratem de si, longe de nós!

Logo de seguida, foram enviados mensageiros para espalhar a ordem do senhor. Em cada aldeia, de cabisbaixo, as famílias seguiram o caminho da Grande Montanha dos Esquecidos para abandonar os seus avós.


Nesse país, um rapaz chamado Chôji vivia sozinho com a avó de quem ele gostava muito.
Moravam numa pequena casa à beira de um lago. Chôji entrançava cestos de bambu que vendia na aldeia com os leques que a sua avó pintava. Esses objetos delicados representavam todos o motivo preferido da velhinha: flores de cerejeira. 

A avó era alegre como um passarinho e o seu pensamento era rápido como o vento.

Depois da chegada dos mensageiros, com o coração carregado de tristeza, Chôji pediu à avó para vestir o kimono mais quente e pegou nela às costas para a levar para a montanha.

O rapaz seguia em silêncio, por um caminho íngreme, no meio de muitos pinheiros. Do outro lado do Templo do Ouro, numa encruzilhada, viu a avó a tirar ganchos do cabelo e a deitá-los para o chão. Um pouco mais longe, a velhinha fez a mesma coisa.

Admirado, Chôji perguntou:
— Por que razão deitas esses ganchos para o chão ?
— Para que encontres o teu caminho de volta, meu querido— respondeu a avó. — Olha como brilham no meio das pedras! Assim, não te vais perder ao seguires os teus passos.

Ao ouvir estas palavras, o rapaz desatou a soluçar.
— Querida avó, preocupas-te ainda comigo, mesmo que te abandone !... 
Depois refletiu:
— Não quero saber da ordem do senhor; levo-te de volta comigo. Não te preocupes, vou esconder-te no grande cedro,  perto do lago, e ninguém vai descobrir.

Chôji esperou pelo crepúsculo. Depois, orientando-se pelos reflexos vermelhos dos ganchos, desceu a montanha com a avó às costas.

Já noite, com a luz de uma lanterna, arranjou um esconderijo para a velhinha. 

O coração da árvore milenar, cheio de belas saliências, era um sítio confortável para ficar. Todos os dias, às escondidas, trazia-lhe arroz e chá muito quente. A velhinha continuava a pintar os seus leques e os pássaros faziam-lhe companhia.
O tempo passou. No início da primavera, o senhor recebeu uma carta do seu rival de um reino vizinho, uma carta a ameaçá-lo.

A carta dizia:
— Antes da próxima lua, tens de me trazer: uma concha de caracol atravessada por um fio desde a sua abertura até à extremidade, o bramido da trovoada e uma borboleta tão feroz que consegue pôr um tigre a fugir. Caso contrário, invadirei o teu país.

O senhor reuniu imediatamente os seus conselheiros para tentar resolver estes enigmas. Mas, apesar das muitas tentativas, não encontraram nenhuma solução. Em seguida, mandou chamar os maiores especialistas do reino: alfaiates, músicos, domadores de borboletas. Mas, por sua vez, estes homens tão sábios tiveram de admitir que não entendiam nada. Então, desesperado, o senhor mandou anunciar que ofereceria uma boa recompensa àquele que resolvesse os três enigmas e assim evitasse uma guerra para o país.

Chôji ouviu a mensagem e foi procurar a sua avó.
— Avó, como devo fazer para passar um fio dentro de uma concha de caracol, desde a sua abertura até à ponta?

A velhinha, que observava a natureza há tantos anos, levou a noite inteira a pensar. Ao amanhecer, exclamou:
— É tão fácil! Apanha uma formiga e amarra-lhe um fio de seda. Depois, procura uma concha de caracol vazia. Faz um buraco no seu topo, coloca aí um gão de arroz e põe a tua formiga à entrada da concha. Atraída pelo arroz, a formiga seguirá o caminho da espiral que se encontra por dentro e sairá pela extremidade, com o fio!

Chôji obedeceu. Apanhou uma formiga grande, atraiu-a com o grão de arroz e a formiga atraversou a concha com o fio atado. O rapaz soltou então a formiga e, fazendo uma grande vénia, não deixou de lhe agradecer.

Choji voltou então para junto da sua avó:
— Como fazer, Avó, para conseguir apanhar o bramido da trovoada ?

A velhinha, que aprendera a escutar o mundo, levou a noite inteira a pensar. Ao amanhecer, explicou:
— É simples ! Primeiro, apanha um enxame de abelhas. Levanta, em seguida, a pele de um tambor, fecha o enxame lá dentro e torna a esticar a pele por cima. O teu tambor vibrará como o céu com trovoada. 

O rapaz preparou o tambor, seguindo aquelas indicações. Uma vez fechadas, as abelhas começaram a fazer um barulho ensurdecedor.

Pela terceira vez, Chôji foi perguntar à avó:
— Avó, onde posso encontrar uma borboleta tão feroz que ponha um tigre a fugir ?
A velhinha, que conhecia tantas histórias fantásticas, levou a noite inteira a pensar. Ao amanhecer, anunciou:
— É fácil ! Arranja um rolo de fio, canas de bambu muito resistentes e dois retalhos de seda. Assim, construirás dois papagaios. No primeiro, pintarás um tigre. No segundo, uma borboleta. Em seguida, amarra-os um ao outro com o fio, pondo o tigre por cima da borboleta.  Quando voarem com o vento, a fera fugirá do inseto.

O jovem rapaz assim fez. Pintou dois papagaios, uniu-os e, a sorrir, viu-os a subir no ar: os três objetos estavam prontos!

Sem mais esperas, Chôji colocou as suas três peças num carrinho e dirigiu-se ao castelo para mostrá-las ao senhor. O soberano observou-as atentamente: aproximou a concha de caracol dos seus olhos para seguir o caminho do fio de seda; encostou o tambor ao seu ouvido e recuou, assustado pelo estrondo da trovoada; sorriu, enfim, como uma criança, quando viu um tigre a fugir de uma borboleta. 


— Conseguiste ! Graças a ti o nosso reino não será invadido. O que desejas como recompensa?
— Meu senhor—respondeu Chôji. —Peço-vos a graça da minha avó. Ela tem muita idade, mas eu gosto muito dela e não tive coragem de a abandonar na Grande Montanha dos Esquecidos como ordenastes. 
— Seja— disse o senhor. —Estás perdoado e a tua avó está salva. Mas diz-me como conseguiste resolver os três indecifráveis enigmas? 
Chôji baixou a cabeça:
— Não fui eu quem descobriu a solução. Foi ela!
— Mas então... murmurou o senhor. Uma velhinha sozinha será mais inteligente do que todos os meus conselheiros e do que todos os meus sábios juntos? Custa-me a crer...

Envergonhado, o senhor compreendeu que os mais velhos não são inúteis: a sua experiência e a sua sabedoria torna-os, pelo contrário, muito preciosos!

Mandou-os todos descer a montanha e decidiu que, doravante, as pessoas mais velhas do país seriam acarinhadas e bem alimentadas. Todos os dias, levar-lhes-iam um chá raro que faz viver mais anos, mesmo às mais fracas. 

A partir desse dia, o senhor deixou de ter medo de envelhecer. E, quando descobria outro cabelo branco, ficava muito satisfeito: 
—Olha ! Estou sem dúvida um pouco mais sábio do que ontem!

Quanto a Chôji, correu para casa e tirou a avó do esconderijo. Para festejar esta grande dia, fez um bolo. Depois, os dois foram almoçar na margem do lago para admirar as cerejeiras em flor. Porque, no país onde o Sol nasce, não há espetáculo mais belo!




Este conto, como todos os contos, atravessou os séculos de boca em boca, de pais para filhos. Passou por outros contos, vindos de outras paragens, e assim foi mudando ao longo dos anos…

Antes que a sua memória de leitor o possa ainda transformar quando, por sua vez, o for contar…


Claire Laurens
La grand-mère qui sauva tout un royaume
Voisins-le-Bretonneux, Rue du monde, 2012



quarta-feira, 22 de julho de 2020

1, 2, 3… uma história de cada vez


Olá, amiguinhos!


A nossa história de hoje: “A ovelha que fazia múuu”



Desafio: poderão fazer um desenho relativo a esta história e, com a ajuda dos pais, enviá-lo para biblioteca@fundacaoalord.pt.
Mais tarde, quando voltarem a poder visitar a nossa Biblioteca, poderão ver os vossos trabalhos numa exposição dedicada a esta atividade.

Participem!



Autor: PINTO, Isabel Fernandes - “A ovelha que fazia múuu”. Porto: Porto Editora, 2012

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Informação, lazer, cultura



Para todos os interessados, das crianças aos adultos, sugerimos um motor de busca temático da web, em português, que permite a pesquisa sobre os mais diversos temas como literatura, efemérides, história, astronomia, história do desporto, tempo, jornais e revistas e muitos outros:


quarta-feira, 8 de julho de 2020

1, 2, 3… uma história de cada vez

Olá, amiguinhos!

A nossa história de hoje: “A velha”


Desafio: poderão fazer um desenho relativo a esta história e, com a ajuda dos pais, enviá-lo para biblioteca@fundacaoalord.pt.
Mais tarde, quando voltarem a poder visitar a nossa Biblioteca, poderão ver os vossos trabalhos numa exposição dedicada a esta atividade.

Participem!




Autor: GONÇALVES, Daniela - “A velha”. Alfragide: Edi9, 2010

Este livro está disponível na Biblioteca para empréstimo.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Escritor do mês | julho

Luis Sepúlveda
(1949/2020)


"Sempre vi a literatura como um ponto de encontro. Primeiro, é um ponto de encontro do escritor com a sua própria memória, com as suas referências culturais e sociais. Depois, é um ponto de encontro entre dois estados de alma: o do escritor, quando estava a escrever, e o do leitor, no momento em que lê".


Luis Sepúlveda nasceu em Ovalle, no Chile, a 4 de outubro de 1949 e morreu a 16 de abril de 2020 em Oviedo, Espanha, vítima de Covid-19. O seu pai era militante do Partido Comunista e proprietário de um restaurante. A mãe era enfermeira e tinha origens mapuche. Cresceu no bairro San Miguel de Santiago e estudou no Instituto Nacional, onde começou a escrever por influência de uma professora de História.

Aos 15 anos ingressou na Juventude Comunista do Chile, da qual foi expulso em 1968. Depois disso, militou no Exército de Libertação Nacional do Partido Socialista. Após os estudos secundários, ingressou na Escola de Teatro da Universidade de Chile, da qual chegou a ser diretor. Anos mais tarde, licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha.

Da sua vasta obra – toda ela traduzida em Portugal –, destacam-se os romances O Velho que Lia Romances de Amor e História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar. Mas todos os seus livros conquistaram em todo o mundo a admiração de milhões de leitores.

Em 2016, recebeu o Prémio Eduardo Lourenço – que visa galardoar personalidades ou instituições com intervenção relevante no âmbito da cooperação e da cultura ibérica –, uma honra de definiu como «uma emoção muito especial».

Para além de romancista, foi realizador, roteirista, jornalista e ativista político. Em 1970 venceu o Prémio Casa das Américas pelo seu primeiro livro, Crónicas de Pedro Nadie, e também uma bolsa de estudo de cinco anos na Universidade Lomonosov de Moscovo. No entanto, só ficaria cinco meses na capital soviética, uma vez que foi expulso da universidade por “atentado à moral proletária”. Membro ativo da Unidade Popular chilena nos anos 70, teve de abandonar o país após o golpe militar de Augusto Pinochet. Viajou e trabalhou no Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Peru. Viveu no Equador entre os índios Shuar, participando numa missão de estudo da UNESCO. Em 1979 alistou-se nas fileiras sandinistas, na Brigada Internacional Simon Bolívar, que lutava contra a ditadura de Anastácio Somoza. Depois da vitória da revolução sandinista, trabalhou como repórter.

Em 1982 rumou a Hamburgo, movido pela sua paixão pela literatura alemã. Nos 14 anos em que lá viveu, alinhou no movimento ecologista e, enquanto correspondente da Greenpeace, atravessou os mares do mundo, entre 1983 e 1988. Em 1997, instalou-se em Gijón, em Espanha, na companhia da mulher, a poetisa Carmen Yáñez. Nesta cidade fundou e dirigiu o Salão do Livro Ibero-americano, destinado a promover o encontro de escritores, editores e livreiros latino-americanos com os seus homólogos europeus.

Luís Sepúlveda vendeu mais de 18 milhões de exemplares em todo o mundo e as suas obras estão traduzidas em mais de 60 idiomas.


“Antonio José Bolívar Proaño tirou a sua dentadura postiça, guardou-a embrulhada no lenço, e, sem parar de amaldiçoar o gringo que estivera na origem da tragédia, o administrador, os garimpeiros, todos os que insultavam a virgindade da sua Amazónia, cortou com um golpe de machete um grosso ramo e, apoiando-se nele, pôs-se a andar na direção de El Idilio [como ironicamente, ou não, se chama o local onde vive], da sua choça, dos seus romances, que falavam do amor com palavras tão bonitas que às vezes lhe faziam esquecer a barbárie humana.”

O velho que lia romances de amor (pág. 110)

O Leituras sugere...





...para julho 


História de um gato e de um rato que se tornaram amigos
Luis Sepúlveda


Max vive em Munique com os seus pais e irmãos — e com Mix, o seu inseparável gato preto com uma mancha branca na barriga. Amigos desde a infância, quando Max cresce e decide mudar de casa, leva Mix consigo. Mix adora viver no novo apartamento. Mas quando Max começa a trabalhar e não pode estar tanto tempo em casa, Mix, que está a envelhecer e a perder a visão, sente-se cada vez mais sozinho.

Um dia, Mix ouve uns passinhos suaves vindos da despensa e descobre que há um ladrão a comer os cereais crocantes do dono. Esperto, Mix deixa-se ficar quieto e, de repente, com a rapidez de outros tempos, estica a pata e sente o corpo trémulo de um minúsculo ratinho. Mex, como é batizado, é um ratinho mexicano, muito medroso e charlatão. Mas os verdadeiros amigos apoiam-se um ao outro e juntos aprendem a partilhar o que de melhor têm dentro de si.

Baseado num episódio da vida de um dos filhos de Luis Sepúlveda, a História de um gato e de um rato que se tornaram amigos oferece-nos uma vez mais uma fábula singela e divertida sobre o verdadeiro valor da amizade.

Um poema...


Em todos os jardins




“Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abrac
̧o que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abunda
̂ncia dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.“

Sophia de Mello Breyner