PALAVRAS SÉRIAS
Espera-me
ao fundo da rua
Que
eu não demoro um segundo:
Habituei-me
a ter medo
Das
bocas más que há no mundo!
Falam
de tudo e aproveitam
As
aparências ligeiras
De
coisas que são às vezes,
Palermices,
brincadeiras,
Razões
de pássaro tonto,
Ou
bilha que se partiu
Quando
se enchia na fonte
Talvez
a pensar no rio
De
água triste e abandonada
Que
vão mais longe lavar?
Não
dou ouvidos a nada:
Quem
quiser pode falar:
Tu
és sempre o meu amor;
És a
minha maré-cheia
E eu
este escravo do mar!
António
Botto, Poesia
O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
Uso
a palavra para compor meus silêncios.
Não
gosto das palavras
fatigadas
de informar.
Dou
mais respeito
às
que vivem de barriga no chão
tipo
água pedra sapo.
Entendo
bem o sotaque das águas
Dou
respeito às coisas desimportantes
e
aos seres desimportantes.
Prezo
a velocidade
das
tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho
em mim um atraso de nascença.
Eu
fui aparelhado
para
gostar de passarinhos.
Tenho
abundância de ser feliz por isso.
Meu
quintal é maior do que o mundo.
Sou
um apanhador de desperdícios:
Amo
os restos
como
as boas moscas.
Queria
que a minha voz tivesse um formato
de
canto.
Porque
eu não sou da informática:
eu
sou da invencionática.
Só
uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel
de Barros, Poesia Completa
CONVIDA-ME SÓ PARA JANTAR
E
não queiras depois fazer amor.
Convida-me
só para jantar
num
restaurante sossegado
numa
mesa de canto
e
fala devagar
e
fala devagar
eu
quero comer uma sopa quente
não
quero comer mariscos
os
mariscos atravancam-me o prato
e
estou cansada para os afastar
fala
assim devagar
devagar
não
é preciso dizeres que sou bonita
mas
não me fales de economia e de política
fala
assim devagar
devagar
deita-me
o vinho devagar
quando
o meu copo já estiver vazio.
Estou
convalescente
sou
convalescente
não
é preciso que o percebas
mas
por favor não faças força em mim.
Fala,
estás-me a dar de jantar
estás-me
a pôr recostada à almofada
estás-me
a fazer sorrir ao longe
fala
assim devagar
devagar
devagar.
Ana
Goês, 366 Poemas que Falam de Amor
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