sexta-feira, 5 de março de 2021

O escritor do mês | março

 TEOLINDA GERSÃO

(1940/)


40 anos de vida literária

A escritora Teolinda Gersão celebra 40 anos de atividade literária, razão pela qual voltamos a destacar esta autora nesta rubrica.

O BALANÇO DE 40 ANOS DE CARREIRA LITERÁRIA DE TEOLINDA GERSÃO


“40 anos é muito tempo, quase metade da vida. Mas nem dou conta de que já são tantos, nem acredito na idade que consta no meu BI. Tudo é sempre muito relativo, o que importa é a saúde, força e entusiasmo de cada um. Tenho muitos projectos e os dias cheios – oxalá tivessem 36 horas em vez de 24!

Por norma, não gosto de fazer balanços, nem de olhar para o passado. Se agora a Wook me pede um testemunho, reconheço que segui o meu caminho, sempre quis ser escritora e isso aconteceu. Não me posso queixar, consegui.

No entanto, subi a pulso, contra ventos e marés. Numa carreira artística – considero a literatura uma forma de arte, como a pintura, a música e outras – nunca nada é fácil, quem pensar o contrário não está preparado para enfrentar as dificuldades que irão surgir.

O artista é muito frágil porque está atento aos grandes problemas da sociedade e do mundo, e é capaz de partilhar e sentir as suas dores, e as dos outros. Mas também é muito forte, se tiver a humildade de reconhecer que cada um, em si mesmo, não importa nada, e for capaz de dar o melhor de si, sem esperar um reconhecimento que pode nunca receber.

O compromisso é consigo próprio, com a obra e com leitores abstractos. A maior recompensa é a liberdade de ser e pensar, de não ser um valor de troca, não se vender a nada nem a ninguém, e, como diz a canção, seguir o seu caminho «my way».

Creio que um artista português encontra dificuldades acrescidas: Portugal faz pouco pela sua cultura, deixa-se ultrapassar por outros e aparentemente é-lhe indiferente estar ou não no mapa. Até no mapa da meteo internacional raramente aparecemos... e quem devia reagir não reage. O mesmo não se passa com outros países, que são bem geridos, defendem os seus interesses e valorizam tudo o que podem, sem estar cronicamente à espera de ajuda externa, no limiar da bancarrota e de chapéu na mão.

Não compreendo, por exemplo, por que razão o sector editorial e livreiro tem sido tão penalizado com a pandemia, e as livrarias fechadas nem ao postigo e com luvas vendem livros, quando jornais e revistas circulam livremente por todo o lado. Os livros, excelentes companheiros para preencher meses de confinamento, são mais sujeitos a vírus do que revistas e jornais? Se um ou outro sector pode ser economicamente menos afectado pela crise, porquê barrar-lhe essa possibilidade, sem lógica nenhuma? É do interesse do país arrasar tudo por igual, e o mais possível?

Voltando ao balanço que a Wook solicita, sinto que tenho muito caminho pela frente, embora seja realista e saiba que ele pode terminar em qualquer altura. O que não me leva a organizar o que quer que seja, como por exemplo papéis, fotos, cartas, recortes de imprensa, etc. Tenho outros afazeres, muito mais interessantes e urgentes: Mais livros estão à minha espera, e a prioridade é escrevê-los, deixando o passado para trás.

NOTA: por vontade expressa da autora, o presente texto não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.”



Teolinda Gersão nasceu em Coimbra, estudou Germanística, Romanística e Anglística nas Universidades de Coimbra, Tübingen e Berlim, foi Leitora de Português na Universidade Técnica de Berlim, assistente na Faculdade de Letras de Lisboa e depois de provas académicas professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada.

Além da permanência de três anos na Alemanha viveu dois anos em São Paulo, Brasil, e conheceu Moçambique, onde decorre o romance de 1997 A Árvore das Palavras. 

Considerada uma das maiores escritoras portuguesas da atualidade, foi galardoada com os mais prestigiados prémios literários nacionais, nomeadamente o Grande Prémio de Romance e Novela da APE, o Prémio do PEN Clube (1981 e 1989), o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco, o Prémio Fernando Namora (1999 e 2015) e o Prémio Literário Vergílio Ferreira 2017 pelo conjunto da sua obra.

Em 2018 foi-lhe atribuído o Marquis Lifiteme Achievement Award.

Está traduzida em 20 países.

Autora sobretudo de romances, publicou até agora duas novelas (Os Teclados e Os Anjos) e cinco coletâneas de contos (Histórias de Ver e Andar, A Mulher que Prendeu a Chuva, Prantos, Amores e Outros Desvarios, Atrás da Porta e Outras Histórias e O Regresso de Júlia Mann a Paraty).

Quatro dos seus livros foram adaptados ao teatro e encenados em Portugal, Alemanha e Roménia.

Vários contos deram origem a curtas metragens.

Foi escritora-residente na Universidade de Berkeley em 2004.

O seu livro mais recente é O Regresso de Júlia Mann a Paraty (2021).

Vive em Lisboa.


LIVROS
  • O REGRESSO DE JÚLIA MANN A PARATY (2021)
  • ATRÁS DA PORTA E OUTRAS HISTÓRIAS (2019)
  • PRANTOS, AMORES E OUTROS DESVARIOS (2016)
  • PASSAGENS (2014)
  • AS ÁGUAS LIVRES (2013)
  • A CIDADE DE ULISSES (2011)
  • A MULHER QUE PRENDEU A CHUVA (2007)
  • HISTÓRIAS DE VER E ANDAR (2003)
  • O MENSAGEIRO E OUTRAS HISTÓRIAS COM ANJOS (2003) 
  • OS TECLADOS & TRÊS HISTÓRIAS COM ANJOS (2012)
  • OS ANJOS (2000)
  • OS TECLADOS (1999)
  • A ÁRVORE DAS PALAVRAS (1997)
  • A CASA DA CABEÇA DE CAVALO (1995)
  • O CAVALO DE SOL (1989)
  • OS GUARDA-CHUVAS CINTILANTES (1984)
  • HISTÓRIA DO HOMEM NA GAIOLA E DO PÁSSARO ENCARNADO (1982)
  • PAISAGEM COM MULHER E MAR AO FUNDO (1982)
  • O SILÊNCIO (1981)

“O escritor tem que escrever aquilo que ele acha que vale a pena ser dito, e tem que obedecer à sua verdade interior, ao seu próprio critério de valor, aquilo que ele acha que merece ser comunicado é ele que decide e mais ninguém”.

Teolinda Gersão


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