104º ANIVERSÁRIO DA IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA
A
República Portuguesa foi proclamada em Lisboa a 5 de outubro de 1910. Nesse dia
foi organizado um governo provisório, que tomou o controlo da administração do
país, chefiado por Teófilo Braga, um dos teorizadores do movimento republicano
nacional. Iniciava-se um processo que culminou na implantação de um regime
republicano, que definitivamente afastou a monarquia.
Na
comemoração desta efeméride, apresentamos algumas curiosidades na vida da
época.
Aviação
A aviação é uma
conquista do século XX. O primeiro aparelho com motor a levantar voo foi obra de
dois americanos, os irmãos Wright. Só um deles pôde efectuar a descolagem
porque só havia lugar para um tripulante. Conseguiu sobrevoar uma praia da
Carolina do Norte durante 12 segundos. Ninguém imaginava então qual seria o
futuro dos “aparelhos voadores”, mas a novidade entusiasmou muita gente e
sucederam-se as experiências em vários países.
A República Portuguesa tinha 2 anos quando Alberto
Sanches de Castro pilotou o primeiro avião em Portugal. Mas os heróis da
aviação portuguesa foram Gago Coutinho e Sacadura Cabral que em 1922 ousaram
tentar a longa travessia do Atlântico Sul. Partiram de Lisboa a 30 de Março a
bordo do hidroavião Lusitânia, que tinha 1 motor, 1 hélice e lugar para 2
tripulantes. Levavam consigo apenas bóias de fumo, mapas, instrumentos de
navegação para se poderem orientar, pois em grande parte do percurso não veriam
mais que mar e céu.
Acomodaram também no reduzido espaço de que
dispunham, 1 pistola de sinais luminosos, 1 lanterna a pilhas, 1 caixa de
primeiros socorros, água, 4 quilos de chocolate, 1 quilo de bolachas. E, com
valor simbólico, 1 garrafa de vinho do Porto e os Lusíadas.
Banhos de mar
No princípio do século XX, os banhos de mar, que eram
recomendados pelos médicos para fortalecer o organismo, não se podiam
considerar um verdadeiro prazer.
Os fatos de banho, de pano, tapavam o corpo quase por
completo e as mulheres usavam também toucas de folhos para proteger o cabelo.
Assim, entrar na água significava ficar ensopado.
Os banheiros encarregues de acompanhar os banhistas
obrigavam-nos a mergulhar ou despejavam baldes de água sobre a cabeça dos mais
renitentes.
Quase ninguém sabia nadar e o que os banhistas mais
desejavam era sair rapidamente da água e mudar de roupa nas barraquinhas de
madeira que existiam nas praias para esse efeito.
Era costume tomar então uma bebida forte para
provocar reacção e até às crianças se dava pelo menos uma colher de vinho, se a
família tivesse possibilidades, de preferência vinho do Porto.
Chapéus
Na época da Primeira República estava na moda o uso
de chapéus para homens, mulheres e crianças e havia modelos diferentes para as
várias ocasiões. Nas festas ou cerimónias de alguma importância, os homens
usavam cartola. Os ingleses tinham por hábito cobrir a cabeça com chapéu de
copa arredondada, o chapéu de coco, e não faltava quem gostasse de os imitar.
Para o dia-a-dia, os modelos eram mais simples mas ninguém saía à rua sem
chapéu. Os homens do povo, mesmo os mais pobres, que podiam eventualmente andar
descalços, não dispensavam o seu boné.
Tirar o chapéu era uma maneira delicada de
cumprimentar as pessoas que passavam ou de prestar homenagem – por exemplo ao
santo que seguia no seu andor em procissão ou ao morto levado de carro de
cavalos para o cemitério.
Quanto às senhoras, os modelos multiplicavam-se não
só de acordo com as circunstâncias – festa de casamento, passeio, almoço ao ar
livre, missa, procissão, enterro– como de acordo com os gostos pessoais. As
senhoras não tiravam o chapéu senão em casa. As meninas também usavam chapéu,
geralmente em harmonia com as roupas que vestiam. A mesma cor, o mesmo tecido,
fitas e laços a condizer. Para os rapazes, enquanto pequenos, era comum
escolherem-se bonés de marinheiro. Na adolescência outro tipo de bonés.
Ciclismo
Nesta época já havia bicicletas em Portugal, mas
sendo muito caras, só estavam ao alcance de famílias abastadas e eram encaradas
mais como brinquedo de gente rica do que como meio de transporte. Havia no
entanto velódromos – pistas para fazer corridas de bicicleta – um em Algés e
outro no Jardim Zoológico. E surgiam ocasionalmente anúncios nos jornais a
enaltecer o ciclismo como fonte de saúde e a oferecer professores parar
ensinarem homens, mulheres e crianças a andar de bicicleta em locais discretos
para que ninguém assistisse aos tombos das primeiras lições.
Futebol
O futebol surgiu em Inglaterra, oficialmente no ano
de 1863, mas só chegou a Portugal dezoito anos antes da Implantação da
República. Quem trouxe a novidade foram uns rapazes da família Pinto Basto que
tinham estado a estudar em Inglaterra, gostaram daquele desporto e no regresso
apresentaram-se com as bolas, os equipamentos e as regras do jogo que logo
entusiasmou muita gente.
Ainda não havia campos fixos nem relvados, por isso
escolhiam-se terrenos planos e lisos, montavam-se as balizas e realizavam-se então
partidas de “Foot-Ball”. De início, o vocabulário relacionado com o jogo
continuou na língua de origem, o inglês. Dizia-se “goal” em vez de golo, “goal
keeper” em vez de guarda-redes, “line-man” em vez de juiz de linha, etc.
O interesse pelo futebol alastrou rapidamente,
envolvendo todos os grupos sociais. Em 1910, além dos grupos espontâneos que
aproveitavam qualquer terreno plano e bolas de couro ou trapo para jogar, já
existiam o Futebol Clube do Porto, o Sport Lisboa e Benfica e o Sporting Clube de
Portugal. O primeiro Campeonato Nacional teve lugar em 1921. Venceu o Sporting.
Gripe espanhola, a
pneumónica
Na Primavera do ano de 1918, um surto de gripe
mortífera varreu Portugal. Esta gripe, chamada pneumónica ou gripe espanhola
por se ter declarado em Espanha, agravou os problemas com que o país se debatia
e atormentou os médicos que não dispunham de medicamentos realmente eficazes
nem contra esta doença, nem contra o tifo que há meses se espalhara sobretudo
pelo norte e já fizera milhares de vítimas na cidade do Porto.
Os bairros pobres das cidades, onde viviam muitas
famílias mal alojadas, mal alimentadas, sem condições de higiene, foram os mais
atingidos pela pneumónica. Nos meses de Junho e Julho morreram em Lisboa cerca
de 400 pessoas por dia, número tão elevado que tornou difícil a realização dos
enterros por falta de carretas funerárias.
O Governo tomou algumas medidas para enfrentar a
epidemia, ordenou que se improvisassem hospitais, criou comissões de socorro
para emergências, apoiou os médicos na sua luta incessante contra a morte. E o
Presidente da República, que era então Sidónio Pais, entendeu por bem visitar
os doentes e deixar-se fotografar debruçado sobre as camas dos mais atacados, o
que muito contribuiu para a sua popularidade.
A pneumónica só começou a abrandar em Novembro, sem
que ninguém soubesse explicar porquê. A ciência da época ainda não dava
respostas concretas sobre estes assuntos.
No território português, o saldo final foi de 60000
mortos. Por isso, durante muitos anos, a palavra “pneumónica” causava arrepios
não só aos sobreviventes, mas também aos filhos e netos que tinham ouvido
relatos impressionantes sobre a maldita gripe.
Iluminação das ruas
A ideia de iluminar as ruas de Lisboa foi do intendente
da polícia Pina Manique, no reinado de D. Maria I. Mas nessa época usavam-se
candeeiros de azeite, que proporcionavam uma luz ténue, em todo o caso melhor
do que nenhuma. Mais tarde, o azeite foi substituído por óleo de purgueira ou
de baleia, menos caro mas muito mal cheiroso, ou por petróleo.
Em 1848 apareceram os primeiros candeeiros de rua
alimentados a gás. Em 1878 inauguraram-se os primeiros candeeiros eléctricos no
Chiado. Eram só seis e foram motivo de pasmo e de muita discussão, pois como
sempre acontece, houve quem desconfiasse da novidade e garantisse que fazia mal
à saúde.
Apesar dos protestos, em 1889 inauguraram-se 38
candeeiros eléctricos na Avenida da Liberdade, mas só em 1902 se generalizou a
iluminação eléctrica nas ruas. No entanto, durante a Primeira República é que a
electricidade foi ganhando lugar dentro de casa. De início, apenas em casas
ricas por ser considerada um luxo. Mas em 1917, quando Portugal entrou na
Primeira Guerra Mundial e foi preciso poupar energia, diminuiu-se a iluminação
pública em Lisboa, pelo que as noites na capital voltaram a ser mais escuras e
mais perigosas.
Medicamentos
Quando a Bayer fabricou os primeiros comprimidos de
aspirina, a República Portuguesa tinha cinco anos.
Há muito se conhecia o poder da casca de salgueiro no
alívio das dores, mas durante séculos triturou-se para obter um produto que se
aliviava as dores, irritava o estômago. No Século XIX o farmacêutico francês
Henry Leroux e o químico alsaciano Frederich von Gerhardt obtiveram o mesmo
produto de outras plantas, a ulmária, a rainha-dos-prados. Conseguiram um pó
muito eficaz contra as dores e contra as inflamações, mas pouco depois esse
medicamento foi posto de parte e ficou esquecido.
Em 1893 o químico alemão Felix Hoffman, que procurava
desesperadamente um remédio para o seu velho pai que sofria de artrite grave,
decidiu experimentar o produto que caíra no esquecimento. Os resultados foram
encorajadores e a Bayer começou a produzir grandes quantidades daquele pó a que
deu o nome latino de spiraea ulmaria, por ser extraído da ulmária. Do nome
latino derivou a palavra aspirina.
Em 1899 este novo analgésico foi finalmente posto à
venda. Revelou-se um medicamento de tal forma extraordinário, que o público lhe
chamava “pó mágico”.
Em 1915, com a Europa atormentada pela Primeira
Guerra Mundial, era complicado fornecer aspirina em pó. Para facilitar a
distribuição, a Bayer passou a fabricar comprimidos.
Oferta
da natureza, trabalhada por cientistas, recuperada graças ao empenho resultante
do amor filial, adaptada às necessidades do público na sequência de uma guerra,
aí estava a aspirina, mais uma novidade que chegou do estrangeiro durante a
Primeira República.
Em
1918, a patente, que pertencia à Alemanha, foi considerada despojo de guerra e
passou para as mãos dos países aliados. E em 1921, por se tratar de um medicamento
excelente, foi classificado Património da Humanidade.
Orpheu
Depois
da proclamação da República surgiram várias revistas literárias como A
Águia ou A Renascença que contavam com a colaboração
de jornalistas, escritores, poetas que eram jovens, cultos, entusiastas e
ansiavam divulgar as suas ideias e os seus ideais.
Em
1915 foi posto à venda o primeiro número da revista Orpheu que
causou escândalo por ser tão arrojada, tão à frente do seu tempo. Só saíram
dois números, mas, associada aos nomes de Fernando Pessoa e Mário Sá-Carneiro
tornou-se um símbolo e hoje é considerada a revista emblemática do Modernismo
português.
Pipocas
Os
índios da América já faziam pipocas, mas só em 1907, três anos antes da
Implantação da República, foi inventada nos Estados Unidos a máquina eléctrica
que continua a ser utilizada com esse fim.
Na
altura, foi publicitada como electrodoméstico de grande qualidade. Os anúncios
diziam o seguinte: “Da enorme variedade de utensílios eléctricos caseiros, a
nova tostadeira de milho é a mais leve e pode ser usada por crianças sem que
haja perigo de causarem danos a si próprias, à mesa ou à sala”.
Alguns
anos depois, a depressão económica americana fez disparar o consumo de milho
tostado por se tratar de um produto barato. E à porta dos cinemas, que então se
chamavam cinematógrafos ou animatógrafos, havia sempre um vendedor com a sua
máquina eléctrica de fazer pipocas, costume que se manteve depois da depressão
e se generalizou por todo o mundo.
Zaragata
Não faltaram zaragatas durante a Primeira República.
Os conflitos que a cada passo envolviam inimigos políticos, trabalhadores
descontentes, grevistas, anarquistas, etc., transformavam-se com frequência em
tumultos violentos de que resultavam mortos e feridos. Mas também houve
zaragatas perfeitamente banais e até anedóticas, como o caso da pateada à
actriz Adelina Abranches num teatro do Porto.
Adelina Abranches acabava de regressar de uma
digressão no Brasil e seguiu para o norte com a companhia do empresário José Loureiro
que ia apresentar no teatro “Águia D’ouro” a peça Menina de Chocolate.
No dia da estreia, logo que Adelina entrou no palco
foi atingida por uma chuva de batatas lançada pelo público em fúria. Em vez de
se retirar, a actriz aproximou-se da boca de cena para tentar perceber o que se
passava. A chuva de batatas intensificou-se e ressoaram gritos “fora a talassa!
fora a talassa!” (talassa era o nome depreciativo que os republicanos davam aos
monárquicos).
Adelina esperou que os ânimos acalmassem e depois
falou ao público dizendo que só era monárquica porque aprendera a estimar a
família real desde criança, mas não representava nenhum perigo para a República
pois não mantinha actividade política. Os colegas solidarizaram-se, a sala
serenou e a representação pode prosseguir.
Mas no dia seguinte uma comissão de republicanos
procurou a actriz no hotel para lhe ordenar que abandonasse a cidade
imediatamente. Ela não acatou a ordem, argumentou que se estava ali era porque
precisava de trabalhar e rematou perguntando “Afinal que mal é que eu faço à
República?” ao que um dos visitantes respondeu indignado “A senhora é tão
talassa que até traz rótulos da cor da bandeira portuguesa do tempo da
monarquia colados nas malas! Ela conteve-se para não rir e explicou então que
os rótulos lhe tinham sido fornecidos pela companhia quando partira para o
Brasil. Eram simples marcas destinadas a um reconhecimento mais rápido da
bagagem na ida e na volta, azuis e brancas por puro acaso.
República nas
escolas: Curiosidades na vida da época [Em linha]. [S.l.] : [s.n.] , [s.d.],
[Consult. 2014-09-30].
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