O poeta português Nuno Júdice foi galardoado, nesta quinta-feira, com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana que reconhece o conjunto da obra poética de um autor vivo, cujo valor literário constitui uma contribuição relevante para o património cultural partilhado pela comunidade ibero-americana.
O galardão, atribuído pelo Património Nacional espanhol e pela Universidade de Salamanca e dotado com 42.100 euros, celebra, este ano, a sua XXII edição.
O júri considerou o poeta, ensaísta e ficcionista português como autor de uma poesia "muito elaborada, de um classicismo depurado", mas, ao mesmo tempo, com um grande compromisso com a realidade, segundo a agência EFE.
À agência Lusa, Nuno Júdice afirmou que o prémio ajudará à projeção da sua obra e sublinhou que evidencia “a importância da poesia portuguesa” no contexto ibero-americano. “Vai dar projeção à minha obra, mas mais importante que isso, mostra que a poesia portuguesa continua a ter um papel importante neste contexto [ibero-americano] ”. O autor confessou estar “contentíssimo” com o galardão. O poeta está a trabalhar num novo livro de poesia, ainda sem título, que "deverá ser editado no final deste ano ou no princípio do próximo".
Nuno Júdice, de 64 anos, é autor de 30 livros de poesia, entre os quais A Matéria do Poema e Guia dos Conceitos Básicos, editado em 2010. O autor, que começou a publicar poesia em 1972 – A Noção do Poema e O Pavão Sonoro –, tem escrito também obras de ensaio, teatro e ficção. A Dom Quixote publicou, no passado mês de Fevereiro, a novela A Implosão. Além do universo hispânico, Nuno Júdice tem obras traduzidas em Itália, Inglaterra e França.
Nasceu na Mexilhoeira Grande, Algarve, formou-se em Filologia Românica pela Universidade Clássica de Lisboa e é professor associado da Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou em 1989. Entre 1997 e 2004 desempenhou as funções de conselheiro cultural e diretor do Instituto Camões em Paris. Tem publicado estudos sobre teoria da literatura e literatura portuguesa. Tem livros traduzidos em várias línguas, destacando-se Espanha, onde tem uma antologia na coleção Visor de poesia, e França, onde está publicado na coleção Poésie/Gallimard. Dirigiu até 1999 a revista Tabacaria, da Casa Fernando Pessoa. Em 2009, assumiu a direção da revista Colóquio/Letras da Fundação Calouste Gulbenkian.
O escritor já foi galardoado com vários prémios literários, nomeadamente o Prémio Pen Clube, em 1985, o Prémio Dom Dinis, em 1990, o Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, em 1995, e o Prémio Fernando Namora, em 2004.
A primeira poetisa portuguesa a receber este prémio, em 2003, foi Sofia de Mello Breyner Andresen.
A primeira poetisa portuguesa a receber este prémio, em 2003, foi Sofia de Mello Breyner Andresen.
O Poeta
Trabalha agora na importação
e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
Podia ser um trabalhador
por conta própria,
um desses que preenche
cadernos de folha azul com
números
de deve e haver. De facto, o que
deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
e exportar as nuvens.
Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que
passa a caminho
da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábiainterrupção da morte.
e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
Podia ser um trabalhador
por conta própria,
um desses que preenche
cadernos de folha azul com
números
de deve e haver. De facto, o que
deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
e exportar as nuvens.
Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que
passa a caminho
da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábiainterrupção da morte.
Nuno Júdice
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