quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Escritor do mês | setembro

 Ana Luísa Amaral

(1956/2022)


Ana Luísa Ribeiro Barata do Amaral nasceu em Lisboa a 5 de abril de 1956, e morreu a 5 de agosto de 2022, no Porto.

Com nove anos de idade deixou Sintra e foi viver para Leça da Palmeira, distrito do Porto.

A sua infância foi marcada pela leitura de obras de autores anglo-saxónicos, como Walter Scott (1771-1832), Washington Irving (1783-1859), Louisa Alcott (1832-1888) e Enid Blyton (1897-1968).

Entre os dez e os dezasseis anos de idade frequentou um colégio de freiras espanholas e, mais tarde, estudou Germânicas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde veio a lecionar.

Em 1985 realizou provas de aptidão pedagógica e capacidade científica na especialidade de Literatura Inglesa. Novamente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1996, defendeu provas de doutoramento na especialidade de Literatura Norte-Americana, tendo sido aprovada com distinção e louvor. A tese que apresentou intitula-se Emily Dickinson: uma poética de excesso.

Durante a década de 80 deslocou-se pontualmente a Inglaterra. Viveu nos Estados Unidos da América entre 1991 e 1992.

A sua obra, povoada de referências a viagens e lugares, está representada em várias antologias, nacionais e estrangeiras, e traduzida em diversas línguas.

É autora dos livros de poesia: Minha Senhora de Quê (1990), Coisas de Partir (1993), Epopeias (1994), E Muitos Os Caminhos (1995), Às Vezes o Paraíso (1998), Imagens (2000), Imagias (2002), A Arte de ser Tigre (2003), A Génese do Amor (2005), Poesia Reunida 1990-2005 (2005), Entre Dois Rios e Outras Noites (2007), Se Fosse um Intervalo (2009), Inversos, Poesia 1990-2010 (2010), Vozes (2011), Escuro (2014), E Todavia (2015), Em suma, Poesia 1990-2015 (2016), What's in a name, (2017), Ágora (2019), Mundo (2021, no prelo).

 

Escreveu os livros infantis Gaspar, o Dedo Diferente e Outras Histórias (1.ª edição de 1999, edição revista de 2011), A História da Aranha Leopoldina (2000), A Relíquia (2008), Auto de Mofina Mendes a partir da peça de Gil Vicente (2008), A Tempestade (2011, que integra o plano nacional de leitura), Como Tu (2012), acompanhado de um CD com música de António Pinho Vargas, piano de Álvaro Teixeira Lopes e vozes de Pedro Lamares, Rute Pimenta e Ana Luísa Amaral; integra o plano nacional de leitura) e Lenga-lenga de Lena, a Hiena (2016).

Publicou uma peça de teatro - Próspero Morreu (2011) e uma obra de ficção - Ara, Sextante (2013).

Fez traduções de poemas de Xanana Gusmão, Eunice de Souza, John Updike, Emily Dickinson, de sonetos de Shakespeare e da obra Carol de Patricia Highsmith.

Ana Luísa Amaral foi também coautora do Dicionário de Crítica Feminista (2005) e coordenadora da edição anotada de Novas Cartas Portuguesas (2010).

Em 2007 foi-lhe atribuído o Prémio Literário Casino da Póvoa/Correntes d'Escritas, com o livro A Génese do Amor e foi galardoada em Itália com o Prémio de Poesia Giuseppe Acerbi. Em 2008, o seu livro Entre Dois Rios e Outras Noites alcançou o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. Venceu ainda o Prémio de Poesia António Gedeão com a obra Vozes (em 2010), o Prémio Narrativa PEN CLUB com Ara (2014) e a Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Matosinhos, por serviços prestados à literatura (2015). Foi finalista do Prémio Portugal Telecom com A génese do Amor (2008) e Vozes (2014) e proposta para o Prémio Rainha Sofia em 2013. Em 2018 o seu livro Arder a palavra e outros incêndios foi um dos vencedores do Prémio de Ensaio Jacinto Prado Coelho, da Associação Portuguesa dos Críticos Literários.

Ana Luísa Amaral era membro do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa.

Fonte: (Universidade do Porto Digital / Gestão de Documentação e Informação)




O olhar diagonal das coisas, publicado em abril deste ano, é uma compilação de todos os seus 17 títulos de poesia. É com dois poemas deste livro, um sobre incompletudes, essa «insuficiência tão brutal» que a morte nos impõe, e outro, luminoso, sobre a felicidade de escrever, que assinalámos a passagem desta poetisa para o plano infinito dos poetas.


INCOMPLETUDES

Algum frio (não demais),

os meus olhos pousados

quase na mesma flor desse jardim,

eu sentada em degrau de casa

alheia

A noite traz sabores

insuspeitados,

uma liquidez quase

do olhar

 

(a morte

deve vir desta maneira:

numa suspeita que não chega

a ser)

pelos degraus acima

a minha sombra vive,

desigual.

a palavra chegou,

mas incompleta

Numa insuficiência tão brutal

como morrer

no meio de um descampado,

ignorante do raio.

 

PROSAÍSMOS

Se fazer versos fosse fazer histórias

a mesma coisa igual (ou semelhante):

enredo, uma estrutura que se visse

até por arabescos no papel

 

– aqui: a sua fala, ali: uma

montanha emoldurando um corpo, o pôr-

-do-sol descrito, uma cidade, um rosto.

Ou sem enredo, mas sempre estrutura

 

(precisos arabescos na legitimação

do desejado). Associações também:

o nevoeiro, um cavalo dourado

sem herdeiro, mas coberto o bastante.

 

Se fosse assim, a mesma coisa igual

(ou semelhante) entre o fazer da história

e o do verso: desistia de tudo.

 

Chegava-me a montanha para olhar,

uma janela aberta ao fim do sol,

perder-me na cidade (em imagens comuns,

 

como esta agora). Seria então feliz

no prazer de saber que não fazia

nem história, nem o resto que era o verso,

pelo prazer sublime do prazer

puro, plano, rosado (como o rosto).

 

A história por escrever, mas eu feliz.

O verso por fazer. E (eu) mais feliz.

Ana Luísa Amaral, O Olhar Diagonal das Coisas

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