segunda-feira, 11 de abril de 2022

Escritor do mês | abril e maio

 Rosa Lobato de Faria  

(1932-2010)

"Se eu morrer de manhã

abre a janela devagar

e olha com rigor o dia que não tenho.

Não me lamentes. Eu não me entristeço:

ter tido a morte é mais do que mereço

se nem conheço a noite de que venho.

Deixa entrar pela casa um pouco de ar

e um pedaço de céu

- o único que sei.

Talvez um pássaro me estenda a asa

que não saber voar

foi sempre a minha lei.

Não busques o meu hálito no espelho.

Não chames o meu nome que eu não venho

e do mistério nada te direi.

Diz que não estou se alguém bater à porta.

Deixa que eu faça o meu papel de morta

pois não estar é da morte quanto sei."


Rosa Maria de Bettencourt Rodrigues Lobato de Faria, escritora, letrista e actriz, nasceu a 20 de Abril e faleceu no dia 2 de Fevereiro em Lisboa, devido a uma grave anemia. Filha de um oficial da Marinha, a sua infância e adolescência decorreu entre Lisboa e Alpalhão, no Alentejo. Desde cedo, sentiu-se atraída pela literatura e pela representação. A escrita esteve presente desde a infância, quando escreveu os seus primeiros poemas; aos 11 anos, subiu ao palco pela primeira vez para recitar poesia. Enveredou pela representação ao participar em séries televisivas e novelas como “Cobardias”, “Nem o pai morre nem a gente almoça”, “Vila Faia”, “Origens”; fez também parte do elenco de filmes como: Tráfico, O vestido Cor de Fogo; na poesia, foi autora de A Gaveta de Baixo, longo poema inédito, estando o resto da sua obra reunida no volume Poemas Escolhidos e Dispersos; como letrista, compôs a letra de várias músicas, sendo quatro delas premiadas com o primeiro lugar em edições do Festival da Canção: “Amor de água fresca”, “Chamar a música”, “Baunilha e Chocolate” e “ Antes do Adeus”. A propósito do seu primeiro romance, “O Pranto de Lúcifer”, Rosa Lobato contou numa entrevista:

“E, um dia, quando eu tinha 63 anos, Deus quis que eu nascesse de novo. Contaram-me uma história e fiquei a pensar nela. Aquela história não me largava a cabeça. E eu dizia para mim: isto é um conto, tenho que escrever este conto, senão não me vejo livre desta maçada. E escrevi. Quando reparei tinha 240 páginas A4 e pensei: isto se calhar é um bocadinho mais que um conto.

Efectivamente, era um romance.”

Rosa Lobato, senhora de uma forte personalidade, impunha-se pelo seu porte distinto, pelo espírito perfeccionista, pelo entusiasmo que punha em todos os seus trabalhos.


OBRA

Poesia : Poemas Escolhidos e Dispersos (1997); romance: O Pranto de Lúcifer (1995); Os três casamentos de Camilla (1997); O Prenúncio das Águas (1999), galardoado com o Prémio Máxima de Literatura 2000; A Trança de Inês (2001); O sétimo véu (2003); Os linhos da avó (2004); A flor de sal (2005); A alma trocada (2007); A estrela de Gonçalo Enes (2008); As esquinas do tempo (2008); A menina e o cisne (ed. póstuma); publicou ainda alguns contos infantis.



Quando faleceu, a 2 de Fevereiro de 2010, Rosa Lobato de Faria deixou inacabado este Vento Suão. Pôs-se então a hipótese de pedir a um(a) autor(a) das suas relações que imaginasse um desenvolvimento para a história que a morte não deixara chegar ao fim e terminasse o livro inacabado. Depressa se concluiu, no entanto, que tal não era a melhor solução - primeiro, porque não se tinha a certeza de que a autora aprovasse essa inclusão de uma voz alheia no interior do seu próprio fluir narrativo; depois, porque, apesar de inacabado, o romance tinha o desenvolvimento suficiente para se deixar ler como um todo com sentido.

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