segunda-feira, 21 de março de 2022

21 MARÇO | DIA MUNDIAL DA POESIA

 


DENTRO DA VIDA


Não estamos preparados para nada:

certamente que não para viver

Dentro da vida vamos escolher

o erro certo ou a certeza errada


Que nos redime dessa magoada

agitação do amor em que prazer

nem sempre é o que fica de querer

ser o amador e ser a coisa amada?


Porque ninguém nos salva de não ser

também de ser já nada nos resgata

Não estamos preparados para o nada:

certamente que não para morrer

Gastão Cruz


Gastão Cruz (1941- 20/03/2022) morreu este domingo, em Lisboa.

Gastão Cruz nasceu no dia 20 de Julho de 1941, em Faro. Com perto de 20 anos publica o seu primeiro livro, A Morte Percutiva (Poesia 61). Após cerca de vinte livros de poesia, revisitaria a infância e a (já desaparecida) casa onde nascera, numa obra a que deu precisamente o nome de Rua de Portugal (2002), e pela qual foi distinguido com o Grande Prémio de Poesia da APE.

A poesia acompanhou-o desde muito novo. O pai recitava, em casa ouvia-se ópera, e o lirismo foi despontando, levando-o a iniciar-se muito cedo na crítica de poesia. Pela mesma altura em que rumou a Lisboa para cursar Filologia Germânica (1958), na Faculdade de Letras – onde David Mourão- Ferreira foi seu professor –, começou a colaborar com poemas e artigos sobre poesia em diversos jornais e revistas, entre os quais os Cadernos do Meio-Dia, publicados em Faro, sob a direcção de António Ramos Rosa e Casimiro de Brito.


Ainda nos tempos de universidade, e após ter sido preso no auge das greves académicas de 62, foi um dos organizadores da Antologia de Poesia Universitária (1964), dando a conhecer poemas de Manuel Alegre, Eduardo Prado Coelho, António Torrado, José Carlos Vasconcelos, Luísa Ducla Soares ou Boaventura Sousa Santos, entre outros. Este importante papel de Gastão Cruz na divulgação, promoção e crítica da poesia e da literatura em geral, bem como do teatro e da música, prolongou-se durante anos, quer colaborando com textos na imprensa (muitos deles reunidos no livro A Poesia Portuguesa Hoje) e na organização de antologias, quer na direcção de recitais, já desde os tempos da Faculdade. Foi um dos directores da Fundação Luís Miguel Nava e da revista Relâmpago, por ela editada.

Da amizade com Fiama, com quem foi casado, nasceu a paixão pelo teatro. Estiveram ambos na génese do Grupo Teatro Hoje, no início dos anos 70, e do qual ele foi director desde 1991 até à sua extinção, em 1994. Ali encenou peças de Crommelynck, Strindberg, Camus, Tchekov ou uma adaptação sua de Uma Abelha na Chuva (1977), de Carlos de Oliveira. Algumas delas foram, pela primeira vez, traduzidas para português pelo poeta.

O percurso literário de Gastão Cruz inclui a tradução de nomes como William Blake, Jean Cocteau, Jude Stéfan e Shakespeare.

Foi professor do Ensino Secundário desde 1963 e, entre 1980 e 1986, exerceu as funções de Leitor de Português na Universidade de Londres (King's College), onde além de Língua Portuguesa, lecionou cadeiras de Poesia, Drama e Literatura Portuguesa.

DGLAB – Gastão Cruz 1941-2022 [em linha]. Lisboa: DGLAB. [consult. 2022-03-21 17:09:25]. Disponível em: http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/noticiasEventos/Paginas/gastaocruz.aspx


O seu último livro, "Existência" (2018), que lhe deu, mais uma vez, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (APE), traduz "uma poderosa reflexão sobre a vida, a memória, o envelhecimento e o espectro da morte", como escreve a editora Assírio & Alvim, na apresentação da obra.

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