sexta-feira, 17 de maio de 2019

Escritor do mês | maio

João Luís Barreto Guimarães
(1967/)



"É a realidade que aciona o poema"


João Luís Barreto Guimarães nasceu no Porto, a 3 de junho de 1967. É cirurgião plástico e reconstrutivo e também poeta e tradutor. Divide o seu tempo entre Leça da Palmeira e Venade. O Tempo Avança por Sílabas reúne cem poemas selecionados pelo autor, dos dez livros que publicou até ao momento. É o seu quinto livro na Quetzal, após a publicação dos primeiros sete títulos reunidos na Poesia Reunida, em 2011, Você está Aqui, em 2013, Mediterrâneo, em 2016, ao qual foi atribuído o Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa, e Nómada, em 2018, ao qual foi atribuído o Prémio Livro de Poesia do Ano Bertrand 2018. A sua obra está representada em antologias poéticas e revistas literárias de numerosos países, tendo Mediterrâneo sido publicado em espanhol. 

OBRA
João Luís Barreto Guimarães escreve “de dentro da vida” (2006: 236); a Europa que descreve parte de uma realidade física e política, concreta e referenciável, mas ultrapassa-a. É uma Europa de habitante, percorrida, sentida, vivida, logo, rememorada, pensada, construída por um sujeito, ele próprio em formação, numa espécie de Bildungspoesie que alia a injunção identitária do oráculo de Delfos – conhece-te a ti mesmo – à herança da Odisseia inaugural, no encalço da literatura e da cultura europeias, com especial enfoque para Portugal.
SARMENTO, Ângela (2018), “João Luís Barreto Guimarães”, in A Europa face à Europa: poetas escrevem a Europa.

1989-Há Violinos na Tribo 
1991-Rua Trinta e Um de Fevereiro 
1994-Este Lado para Cima 
2000-Lugares Comuns 
2001-3 (Poesia 1987-1994) 
2003-Rés-do-Chão
2006-Luz Última 
2009-A Parte pelo Todo 
2011-Poesia Reunida 
2013-Você Está Aqui
2016-Mediterrâneo (1)
2018-Mediterranéo (espanhol) 
2018-Nómada 
2019-Mediterraneo (italiano) 
2019-O Tempo Avança por Sílabas (poemas escolhidos)



Sol de Janeiro

Nunca tanto como hoje reparei com atenção 
na
luz do sol de Janeiro. Forte
mas delicada. Furtiva
mas
demorada. Não arde nem faz tremer. 
Não é densa nem clara. A
luz
do sol em Janeiro:
assim é o nosso amor
oculto pela tinta dos dias apenas
espreita uma aberta
(uma distracção das nuvens)
para
luzir e irromper
(nunca antes como hoje precisei)
tanto que o vento lhe desse oportunidade).
O nosso amor
é Janeiro:
mesmo se o julgo esquecido
sei que
está sempre lá.

João Luís Barreto Guimarães
Rés-do-Chão
Lisboa, Gótica, 2003




As ruas estão acesas

Na

esquina do Deutsche Bank (ao lado de

Jean Valjean) um casal de namorados reúne-se

num abraço. Por instantes acreditam na

arte do recomeço

num país onde o ministro desista de inaugurar

ruínas dos

nossos sonhos. Longe

nos rios da Europa corre uma linfa comum

(como a fenda da parede hesitando ao avançar

corrigindo erro-a-erro o seu

próprio percurso). Enquanto os jovens se abraçam

a usura passa-lhes ao lado

suspendem-se os dias tristes neste país periférico

sem esperança nem remorsos onde

a Europa passa férias. À porta do Deutsche Bank

só tem crédito a ilusão ̶

logo tudo acabará num depósito

de amor.

in Mediterrâneo (2016: 63)


As paredes em falta

Nos

prédios bombardeados (por exemplo: nos Balcãs)

é fácil de figurar as celas

em que vivemos. Blocos altos sem fachada

(desde os dias da guerra)

tornam-no mais evidente: quartos cúbicos 

exíguos

aos quais falta uma parede –

essa que dá para a fuga

que mostra a liberdade. Mas isso é

nos sítios

da guerra.  Nos lugares em paz

os banqueiros (e os cobradores de impostos)

brincam com os moradores

(privando-os de quatro paredes!)

como quem brinca às casinhas com

uma casa de bonecas

dessas que há nos museus ricos do Norte

da Europa.

in Nómada (2018: 26)

Sem comentários:

Enviar um comentário