João Luís Barreto Guimarães
(1967/)
"É a realidade que aciona o poema"
João Luís Barreto Guimarães nasceu no Porto, a 3 de junho de 1967. É cirurgião plástico e reconstrutivo e também poeta e tradutor. Divide o seu tempo entre Leça da Palmeira e Venade. O Tempo Avança por Sílabas reúne cem poemas selecionados pelo autor, dos dez livros que publicou até ao momento. É o seu quinto livro na Quetzal, após a publicação dos primeiros sete títulos reunidos na Poesia Reunida, em 2011, Você está Aqui, em 2013, Mediterrâneo, em 2016, ao qual foi atribuído o Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa, e Nómada, em 2018, ao qual foi atribuído o Prémio Livro de Poesia do Ano Bertrand 2018. A sua obra está representada em antologias poéticas e revistas literárias de numerosos países, tendo Mediterrâneo sido publicado em espanhol.
OBRA
João Luís Barreto Guimarães escreve “de dentro da vida” (2006: 236); a Europa que descreve parte de uma realidade física e política, concreta e referenciável, mas ultrapassa-a. É uma Europa de habitante, percorrida, sentida, vivida, logo, rememorada, pensada, construída por um sujeito, ele próprio em formação, numa espécie de Bildungspoesie que alia a injunção identitária do oráculo de Delfos – conhece-te a ti mesmo – à herança da Odisseia inaugural, no encalço da literatura e da cultura europeias, com especial enfoque para Portugal.
SARMENTO, Ângela (2018), “João Luís Barreto Guimarães”, in A Europa face à Europa: poetas escrevem a Europa.
1989-Há Violinos na Tribo
1991-Rua Trinta e Um de Fevereiro
1994-Este Lado para Cima
2000-Lugares Comuns
2001-3 (Poesia 1987-1994)
2003-Rés-do-Chão
2006-Luz Última
2009-A Parte pelo Todo
2011-Poesia Reunida
2013-Você Está Aqui
2016-Mediterrâneo (1)
2018-Mediterranéo (espanhol)
2018-Nómada
2019-Mediterraneo (italiano)
2019-O Tempo Avança por Sílabas (poemas escolhidos)
Sol de Janeiro
Nunca tanto como hoje reparei com atenção
na
luz do sol de Janeiro. Forte
mas delicada. Furtiva
mas
demorada. Não arde nem faz tremer.
Não é densa nem clara. A
luz
do sol em Janeiro:
assim é o nosso amor
oculto pela tinta dos dias apenas
espreita uma aberta
(uma distracção das nuvens)
para
luzir e irromper
(nunca antes como hoje precisei)
tanto que o vento lhe desse oportunidade).
O nosso amor
é Janeiro:
mesmo se o julgo esquecido
sei que
está sempre lá.
João Luís Barreto Guimarães
Rés-do-Chão
Lisboa, Gótica, 2003
As ruas estão acesas
Na
esquina do Deutsche Bank (ao lado de
Jean Valjean) um casal de namorados reúne-se
num abraço. Por instantes acreditam na
arte do recomeço
num país onde o ministro desista de inaugurar
ruínas dos
nossos sonhos. Longe
nos rios da Europa corre uma linfa comum
(como a fenda da parede hesitando ao avançar
corrigindo erro-a-erro o seu
próprio percurso). Enquanto os jovens se abraçam
a usura passa-lhes ao lado
suspendem-se os dias tristes neste país periférico
sem esperança nem remorsos onde
a Europa passa férias. À porta do Deutsche Bank
só tem crédito a ilusão ̶
logo tudo acabará num depósito
de amor.
in Mediterrâneo (2016: 63)
As paredes em falta
Nos
prédios bombardeados (por exemplo: nos Balcãs)
é fácil de figurar as celas
em que vivemos. Blocos altos sem fachada
(desde os dias da guerra)
tornam-no mais evidente: quartos cúbicos
exíguos
aos quais falta uma parede –
essa que dá para a fuga
que mostra a liberdade. Mas isso é
da guerra. Nos lugares em paz
os banqueiros (e os cobradores de impostos)
brincam com os moradores
(privando-os de quatro paredes!)
como quem brinca às casinhas com
uma casa de bonecas
dessas que há nos museus ricos do Norte
da Europa.
in Nómada (2018: 26)
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