segunda-feira, 7 de julho de 2014

Um poema...

AS COISAS SIMPLES

(Sobre pinturas de Nuno de San Payo)

Gosto das coisas sólidas. Sem brilho. 
Coisas de linho ou de pedra 
desmesuradamente agarradas ao chão.

Gosto das coisas brancas
lavadas pelo ar fresco da manhã
e varridas pela memória recente 
da espuma, do sal ou da gaivota.

Coisas simples e serenas: 
o pão quente e farto, o café tomado em família,
as meninas chilreando sobre a relva
ao sol da primavera. 

Gosto da música suave que, 
quase sem de si nos dar presença, 
se desprende levemente
de uma flor irrepetível.

Gosto dos pequenos gestos, 
os simples, tranquilos e altivos gestos.

Gosto de saber que essa altivez
transporta um incêndio discreto, 
um canto de alaúde, um perfume de alfazema. 

Gosto das coisas simples, sólidas serenas:
um momento de obscura comoção, um resto de luz 
a estender-se na mesa, 
a folha de jornal já lido que se desprende e vai
na desmedida ambição 
de se tornar borboleta.

José Fanha, in "Marinheiro de outras luas"

Sem comentários:

Enviar um comentário