sexta-feira, 16 de março de 2018

Escritor do mês | março

António Nobre
(1867/1900)


António Pereira Nobre nasceu a 16 de agosto de 1867, na Rua de Santa Catarina, no Porto. Filho de burgueses abastados, estudou em vários colégios da cidade invicta e passava os verões nas casas que a família tinha no campo, na Lixa ou no Seixo (o seu «paraíso perdido», como lhe chamou o maior biógrafo do poeta, Guilherme de Castilho), ou na praia, em Leça.

Começou a escrever muito cedo, os seus primeiros poemas datam dos 15 anos de idade. Alguns anos mais tarde, ruma a Coimbra, onde cursa Direito. Tendo reprovado, decide ir fazer a licenciatura para Paris. Aí contactará com os poetas simbolistas, conhece Verlaine, Émile Zola, Alexandre Dumas e Mallarmé. Mas Nobre acabará por viver momentos de angústia na «cidade luz», lutando com dificuldades financeiras, longe da Pátria, dos lugares de infância e dos amigos. E é na solidão do seu quarto da rue des Écoles que escreverá muitos dos poemas que integrarão o "Só", publicado em Paris em 1892, pelo editor dos poetas simbolistas, Léon Vanier. A obra é mal acolhida em Portugal, com exceção de alguns amigos, mas quando o livro é reeditado seis anos depois, as reações já são mais favoráveis. Hoje faz-se-lhe finalmente justiça e "Só" está entre os livros maiores da literatura portuguesa. "Só" é um retrato do país em fins do séc. XIX, em especial do Norte (Douro e Minho), escrito grande ironia. O verso do poema inicial, "Memória", «O livro mais triste que há em Portugal», levou a que erradamente muitos pudessem julgar que se trataria de um livro triste, escrito por alguém com uma sentimentalidade marcada pela tristeza por se encontrar tuberculoso. Na realidade, o poeta foi «atingido» pelo bacilo de Koch, já depois de publicada a primeira edição de "Só". Em termos temáticos, destaca-se, neste livro, o pessimismo profundo da sua visão do mundo; em termos formais, a presença da linguagem popular e a utilização expressiva das marcas da coloquialidade. 

Atingido pela doença, Nobre irá começar uma série de viagens, na esperança da cura. Parte para a Suíça, mais tarde, com o agravamento dos sintomas embarca para a América, passa pela Madeira, parece melhorar, mas regressa de novo ao continente. Lisboa, outra vez a Suíça, passagem por Paris, de onde regressa já muito mal ao nosso país. Depois de uma curta estada numa quinta da família, em Penafiel, chega a 17 de março de 1900 ao Porto, onde morreria no dia seguinte, aos 32 anos, numa casa na Foz.

Deixou um grande número de poemas inéditos, que viriam a ser publicados postumamente nos livros "Despedidas", "Primeiros Versos" e "Alicerces", e muito mais tarde, a sua correspondência. António Nobre viria a ser reconhecido pelos modernistas e é hoje claro que foi um dos maiores contributos para a renovação da linguagem poética em Portugal. 

Um monumento a António Nobre, desenhado pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira, encontra-se perto da praia da Boa Nova, em Leça da Palmeira.






MEMÓRIA 

à minha mãe, ao meu Pai

Aquele que partiu no brigue Boa Nova 
E na barca Oliveira, anos depois, voltou; 
Aquele santo (que é velhinho e lá corcova) 
Uma vez, uma vez, linda menina amou: 
Tempos depois, por uma certa lua-nova, 
Nasci eu... O velhinho ainda cá ficou, 
Mas ela disse: – «Vou, ali adiante, à Cova, 
António, e volto já...» E ainda não voltou! 
António é vosso. Tomai lá a vossa obra! 
«Só» é o poeta-nato, a lua, o santo, o cobra! 
Trouxe-o dum ventre: não fiz mais do que o escrever... 
Lede-o e vereis surgir do Poente as idas mágoas, 
Como quem vê o Sol sumir-se, pelas águas, 
E sobe aos alcantis para o tornar a ver!

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