Miguel
Sousa Tavares
(1950/
)
Jornalista
português, Miguel Sousa Tavares nasceu no Porto, sendo filho da poetisa Sophia
de Mello Breyner e do advogado e jornalista Francisco de Sousa Tavares. Depois
de se ter licenciado em Direito, exerceu advocacia durante doze anos, mas
abdicou definitivamente desta profissão para se dedicar em exclusivo ao
jornalismo.
Estreou-se na televisão em 1978, ao entrar para a Radiotelevisão Portuguesa.
Estreou-se na televisão em 1978, ao entrar para a Radiotelevisão Portuguesa.
Foi um dos fundadores da revista Grande Reportagem em 1989, publicação da qual se tornou diretor logo no ano seguinte. Manteve-se na direção da revista durante cerca de dez anos até ser substituído por Francisco José Viegas.
Ainda
em 1989, Miguel Sousa Tavares foi diretor da revista Sábado,
publicação generalista que havia sido lançada no ano anterior por Pedro Santana
Lopes. No entanto, manteve-se pouco tempo no cargo devido à instabilidade
interna da revista, que algum tempo depois viria a fechar.
O jornalista também se destacou na imprensa portuguesa como cronista e escreveu ininterruptamente para o jornal Público, desde que este foi lançado em 1990 até ao início de 2002. Ao mesmo tempo, foi assinando crónicas noutras publicações como o jornal desportivo A Bola, na revista feminina Máxima e no jornal on-line Diário Digital. Miguel Sousa Tavares esteve na SIC, canal privado de televisão que começou a emitir em 1992, onde apresentou programas de informação como "Crossfire", este a meias com Margarida Marante. Abandonou a SIC e depois de em 1998 ter recusado o convite para diretor-geral da RTP, no ano seguinte regressou à televisão.
Assim,
em 1999 Miguel Sousa Tavares ingressou na TVI e apresentou "Em Legítima
Defesa". Sousa Tavares defendia uma das posições e Paula Teixeira da Cruz,
vereadora do PSD na Câmara de Lisboa, a outra. O jornalista Pedro Rolo Duarte
servia de moderador. Em Setembro de 2000, estreou-se como comentador fixo do
Jornal Nacional da TVI, onde passou a marcar presença semanalmente às
terças-feiras, para abordar a atualidade nacional e internacional.
Miguel
Sousa Tavares tem vários livros publicados, quase todos de crónicas. O
primeiro, Sahara, a República da Areia, foi editado em 1985 e
constava de uma reportagem. Seguiu-se, dez anos depois, uma coleção de escritos
políticos chamado Um Nómada no Oásis e O Segredo do
Rio e, em 1997, um conto infantil. Em 1998, saiu o livro de crónicas
de viagens intitulado Sul e, em 2001, Não te Deixarei
Morrer David Crockett, que reuniu os escritos da revista Máxima.
Neste último ano, foi também editado Anos Perdidos, uma coleção de
crónicas dedicada aos governos de António Guterres entre 1995 e 2001.
Miguel Sousa Tavares estreou-se no romance com
a obra Equador, que, editado pela primeira vez em 2003, vendeu mais
de 250 mil exemplares, tendo sido reeditado no mesmo ano. O sucesso desta obra
foi tão grande que, posteriormente, acabaria por ser lançada a nível
internacional (Brasil, Holanda, Alemanha, República Checa, Espanha e América
Latina). Em Outubro de 2007 publica Rio das Flores, com uma
primeira tiragem de 100 mil exemplares.
Para
além da sua intensa atividade como jornalista, em 1998 foi um dos nomes que
integrou a direção do movimento Portugal Único que se batia contra a
regionalização e apelava ao voto no "Não" num referendo agendado para
esse ano.
Miguel Sousa
Tavares. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2017.
Bibliografia
- Um Nómada no Oásis,
Relógio d'Água Editores, 1994
- O Planeta Branco,
Oficina do Livro, 1997
- Anos Perdidos,
Oficina do Livro, 2001
- Não Te Deixarei Morrer, David
Crockett, Oficina do Livro, 2001
- Equador,
Oficina do Livro, 2003
- Sul, Viagens,
Oficina do Livro, 2004 (Edição Ampliada)
- O Segredo do Rio,
Oficina do Livro, 2004
- Rio das Flores,Oficina
do Livro, 2007
- No Teu Deserto,Oficina
do Livro, 2009
- Ukuhamba - Manhã de África,
Oficina do Livro, 2010
- Ismael e Chopin,
Oficina do Livro, 2010
- A História Não Acaba Assim -
Escritos Políticos 2005-2012,Clube do
Autor, 2012
- Madrugada Suja,
Clube do Autor, 2013
- Não se encontra o que se
procura, Clube do Autor, 2014
O
primeiro dia
O que o acordou foi o silêncio. Primeiro, o do
despertador que não tocou à hora combinada todas as manhãs. Depois, o de outra
respiração, que devia ouvir e não ouvia. Estendeu a mão para o quente do outro
lado da cama e encontrou o frio. Apalpou e encontrou vazio. Então, sim,
despertou completamente.
Um prenúncio de tragédia desceu por ele
abaixo, como um arrepio. O que acabara de se lembrar era que não acordara só
por acaso ou por acidente: aquele era o primeiro dia, a primeira manhã da sua
separação - o primeiro de quantos dias? - em que acordaria sempre sozinho, com
metade da cama fria, metade do ar por respirar.
Era Abril, sábado e chovia. Sentado na cama,
lembrou-se das instruções que dera a si mesmo para aquela manhã: fazer peito
forte à desgraça. Nada é inteiramente bom, mas nada é inteiramente mau -
pensou. Posso ler à noite até me apetecer sem me mandarem apagar a luz, posso
dormir atravessado na cama, posso-me livrar daquele rol de cobertores com o
qual ela me esmagava, fizesse sol, chuva ou frio, porque as mulheres são mais
friorentas que eu sei lá, posso usar a casa-de-banho todo o tempo que quiser,
posso espalhar as roupas, os jornais e os papéis pelo quarto à vontade e até -
oh, suprema liberdade - posso fumar à noite na cama.
Levantou-se
para se olhar ao espelho da casa-de-banho. Sorriu à sua própria imagem,
ensaiou-a calma, tranquila, confiante. Imaginou mentalmente o texto que poderia
redigir sobre si mesmo para a secção de anúncios pessoais do jornal:
«Divorciado, 40 anos, bom aspecto, licenciado, rendimento médio-alto, casa própria
e espaçosa, desportos, ar livre, terno e com sentido de humor». Mulheres
compatíveis? Deus do céu, dezenas delas! Sou um partidão - concluiu para o espelho.
(…)
Enquanto
fazia, com um prazer insuspeitado, o seu primeiro pequeno-almoço de homem só,
passou à fase seguinte do que chamara o «plano de sobrevivência»: desfolhar a
agenda de telefones em busca de amigos igualmente sós com quem fazer «programas
de homens» ou de antigas namoradas, que se tinham separado ultimamente ou
outras que achava acessíveis, mas que nunca tivera a coragem e a oportunidade
de aproximar. A primeira desilusão foi com os amigos: de A a Z, realizou que só
tinha dois amigos sem mulher e, para agravar as coisas, com nenhum deles lhe
apetecia sair e entrar numa de «anda daí e mostra-me lá como é o mundo lá
fora». Quanto às mulheres que julgava sortables, sempre eram cinco, mas o
resultado foi quase patético. (…)
Passeou-se
pela casa, pensativo, fumando o primeiro cigarro do dia. De repente lembrou-se
que ainda não tinha visto o quarto do filho. A cama e a escrivaninha tinham
ido, assim como praticamente todos os brinquedos. Sobrava um boneco de peluche,
três ou quatro carrinhos semi-partidos, uns legos e um quadro para fazer
desenhos, com os respectivos marcadores, pousados, à espera de uma mão de
criança. A mesa-de-cabeceira ficara e parecia absurda no meio do quarto, sem a
cama nem os outros móveis, com um retrato dele e do filho numa praia do
Algarve, sorrindo, abraçados um ao outro. Sem saber porquê, sentou-se no chão
encostado à parede, muito devagar, a olhar para a fotografia. 18 Duas grossas
lágrimas escorregaram-lhe pela cara abaixo e caíram na madeira do chão, entre
as pernas. Foi só então que ele percebeu que estava a chorar.
Miguel Sousa Tavares, in
Não te deixarei morrer, David Crockett
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