terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Escritor do mês | dezembro

Miguel Sousa Tavares

(1950/ )


Jornalista português, Miguel Sousa Tavares nasceu no Porto, sendo filho da poetisa Sophia de Mello Breyner e do advogado e jornalista Francisco de Sousa Tavares. Depois de se ter licenciado em Direito, exerceu advocacia durante doze anos, mas abdicou definitivamente desta profissão para se dedicar em exclusivo ao jornalismo.
Estreou-se na televisão em 1978, ao entrar para a Radiotelevisão Portuguesa. 

Foi um dos fundadores da revista Grande Reportagem em 1989, publicação da qual se tornou diretor logo no ano seguinte. Manteve-se na direção da revista durante cerca de dez anos até ser substituído por Francisco José Viegas. 

Ainda em 1989, Miguel Sousa Tavares foi diretor da revista Sábado, publicação generalista que havia sido lançada no ano anterior por Pedro Santana Lopes. No entanto, manteve-se pouco tempo no cargo devido à instabilidade interna da revista, que algum tempo depois viria a fechar.

O jornalista também se destacou na imprensa portuguesa como cronista e escreveu ininterruptamente para o jornal Público, desde que este foi lançado em 1990 até ao início de 2002. Ao mesmo tempo, foi assinando crónicas noutras publicações como o jornal desportivo A Bola, na revista feminina Máxima e no jornal on-line Diário Digital. Miguel Sousa Tavares esteve na SIC, canal privado de televisão que começou a emitir em 1992, onde apresentou programas de informação como "Crossfire", este a meias com Margarida Marante. Abandonou a SIC e depois de em 1998 ter recusado o convite para diretor-geral da RTP, no ano seguinte regressou à televisão. 

Assim, em 1999 Miguel Sousa Tavares ingressou na TVI e apresentou "Em Legítima Defesa". Sousa Tavares defendia uma das posições e Paula Teixeira da Cruz, vereadora do PSD na Câmara de Lisboa, a outra. O jornalista Pedro Rolo Duarte servia de moderador. Em Setembro de 2000, estreou-se como comentador fixo do Jornal Nacional da TVI, onde passou a marcar presença semanalmente às terças-feiras, para abordar a atualidade nacional e internacional. 

Miguel Sousa Tavares tem vários livros publicados, quase todos de crónicas. O primeiro, Sahara, a República da Areia, foi editado em 1985 e constava de uma reportagem. Seguiu-se, dez anos depois, uma coleção de escritos políticos chamado Um Nómada no Oásis e O Segredo do Rio e, em 1997, um conto infantil. Em 1998, saiu o livro de crónicas de viagens intitulado Sul e, em 2001, Não te Deixarei Morrer David Crockett, que reuniu os escritos da revista Máxima. Neste último ano, foi também editado Anos Perdidos, uma coleção de crónicas dedicada aos governos de António Guterres entre 1995 e 2001.

Miguel Sousa Tavares estreou-se no romance com a obra Equador, que, editado pela primeira vez em 2003, vendeu mais de 250 mil exemplares, tendo sido reeditado no mesmo ano. O sucesso desta obra foi tão grande que, posteriormente, acabaria por ser lançada a nível internacional (Brasil, Holanda, Alemanha, República Checa, Espanha e América Latina). Em Outubro de 2007 publica Rio das Flores, com uma primeira tiragem de 100 mil exemplares.

Para além da sua intensa atividade como jornalista, em 1998 foi um dos nomes que integrou a direção do movimento Portugal Único que se batia contra a regionalização e apelava ao voto no "Não" num referendo agendado para esse ano. 
Miguel Sousa Tavares. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2017.


Bibliografia

  • Um Nómada no Oásis, Relógio d'Água Editores, 1994
  • O Planeta Branco, Oficina do Livro, 1997
  • Anos Perdidos, Oficina do Livro, 2001
  • Não Te Deixarei Morrer, David Crockett, Oficina do Livro, 2001
  • Equador, Oficina do Livro, 2003
  • Sul, Viagens, Oficina do Livro, 2004 (Edição Ampliada)
  • O Segredo do Rio, Oficina do Livro, 2004
  • Rio das Flores,Oficina do Livro, 2007
  • No Teu Deserto,Oficina do Livro, 2009
  • Ukuhamba - Manhã de África, Oficina do Livro, 2010
  • Ismael e Chopin, Oficina do Livro, 2010
  • A História Não Acaba Assim - Escritos Políticos 2005-2012,Clube do Autor, 2012
  • Madrugada Suja, Clube do Autor, 2013
  • Não se encontra o que se procura, Clube do Autor, 2014


O primeiro dia
O que o acordou foi o silêncio. Primeiro, o do despertador que não tocou à hora combinada todas as manhãs. Depois, o de outra respiração, que devia ouvir e não ouvia. Estendeu a mão para o quente do outro lado da cama e encontrou o frio. Apalpou e encontrou vazio. Então, sim, despertou completamente.

Um prenúncio de tragédia desceu por ele abaixo, como um arrepio. O que acabara de se lembrar era que não acordara só por acaso ou por acidente: aquele era o primeiro dia, a primeira manhã da sua separação - o primeiro de quantos dias? - em que acordaria sempre sozinho, com metade da cama fria, metade do ar por respirar.

Era Abril, sábado e chovia. Sentado na cama, lembrou-se das instruções que dera a si mesmo para aquela manhã: fazer peito forte à desgraça. Nada é inteiramente bom, mas nada é inteiramente mau - pensou. Posso ler à noite até me apetecer sem me mandarem apagar a luz, posso dormir atravessado na cama, posso-me livrar daquele rol de cobertores com o qual ela me esmagava, fizesse sol, chuva ou frio, porque as mulheres são mais friorentas que eu sei lá, posso usar a casa-de-banho todo o tempo que quiser, posso espalhar as roupas, os jornais e os papéis pelo quarto à vontade e até - oh, suprema liberdade - posso fumar à noite na cama.

Levantou-se para se olhar ao espelho da casa-de-banho. Sorriu à sua própria imagem, ensaiou-a calma, tranquila, confiante. Imaginou mentalmente o texto que poderia redigir sobre si mesmo para a secção de anúncios pessoais do jornal: «Divorciado, 40 anos, bom aspecto, licenciado, rendimento médio-alto, casa própria e espaçosa, desportos, ar livre, terno e com sentido de humor». Mulheres compatíveis? Deus do céu, dezenas delas! Sou um partidão - concluiu para o espelho. (…)

Enquanto fazia, com um prazer insuspeitado, o seu primeiro pequeno-almoço de homem só, passou à fase seguinte do que chamara o «plano de sobrevivência»: desfolhar a agenda de telefones em busca de amigos igualmente sós com quem fazer «programas de homens» ou de antigas namoradas, que se tinham separado ultimamente ou outras que achava acessíveis, mas que nunca tivera a coragem e a oportunidade de aproximar. A primeira desilusão foi com os amigos: de A a Z, realizou que só tinha dois amigos sem mulher e, para agravar as coisas, com nenhum deles lhe apetecia sair e entrar numa de «anda daí e mostra-me lá como é o mundo lá fora». Quanto às mulheres que julgava sortables, sempre eram cinco, mas o resultado foi quase patético. (…)

Passeou-se pela casa, pensativo, fumando o primeiro cigarro do dia. De repente lembrou-se que ainda não tinha visto o quarto do filho. A cama e a escrivaninha tinham ido, assim como praticamente todos os brinquedos. Sobrava um boneco de peluche, três ou quatro carrinhos semi-partidos, uns legos e um quadro para fazer desenhos, com os respectivos marcadores, pousados, à espera de uma mão de criança. A mesa-de-cabeceira ficara e parecia absurda no meio do quarto, sem a cama nem os outros móveis, com um retrato dele e do filho numa praia do Algarve, sorrindo, abraçados um ao outro. Sem saber porquê, sentou-se no chão encostado à parede, muito devagar, a olhar para a fotografia. 18 Duas grossas lágrimas escorregaram-lhe pela cara abaixo e caíram na madeira do chão, entre as pernas. Foi só então que ele percebeu que estava a chorar.

Miguel Sousa Tavares, in Não te deixarei morrer, David Crockett


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